São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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Sob tutela

Ensinar alunos a organizar o tempo de estudo, a agenda e até a mochila agora faz parte do currículo

Danilo Verpa/Folha Imagem
Felipe Braga Kienast, 10, com a sua professora, na aula de estudo semanal do Santo Américo

TALITA BEDINELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Estabelecer os horários em que a criança fará a lição ou ensiná-la a organizar a agenda e a mochila são atribuições dos pais, certo? Nem sempre. Escolas particulares de São Paulo estão criando uma disciplina para ensinar essas tarefas e aumentar o compromisso de crianças e jovens com o estudo.
Em aulas que acontecem uma ou duas vezes por semana, tutores entram na sala para mostrar aos alunos como se organizar e estabelecer horários rígidos para os estudos em casa.
A mudança é estimulada por uma nova concepção de ensino. Antes, ele era mais focado na transmissão de informação e na "decoreba". Hoje, é mais centrado na interdisciplinaridade. "Os alunos precisam saber estabelecer relações [entre os conteúdos]", diz Elaine Marquezini, coordenadora do fundamental 1 do colégio Santo Américo (zona oeste), que criou no ano passado a disciplina "aulas de estudo semanal".
Ana Paula Braga Kienast, 39, mãe de Felipe, 10, aprovou a iniciativa. "A gente não precisa ficar cobrando, porque ele já vem com a matéria estudada."
Como esse novo tipo de aprendizado - exigido em vestibulares e provas como o Enem- é mais complexo, as escolas têm de fazer com que os alunos se dediquem mais.
Por isso, a disciplina, chamada na maioria dos colégios de tutoria, tem adquirido um papel tão importante quanto as aulas de português ou matemática. A ideia é que os pupilos "aprendam a aprender", na definição de Iberê Lopes, um dos tutores da Suíço-Brasileira.
Em geral funciona assim: quando entram no 6º ano (antiga 5ª série) e passam a ter mais professores, matérias e tarefas, os alunos são ensinados a se organizar -anotando a lição de casa na agenda, por exemplo. Conforme vão avançando de série e ganhando maturidade, aprendem as maneiras de estudar (com resumos, esquemas ou fichamentos).
Em alguns colégios, como o Stockler, o aluno tem até uma planilha que define qual disciplina deve ser estudada no dia e por quanto tempo. No Albert Sabin, o tutor é também uma espécie de terapeuta: conversa individualmente com todos os alunos sobre as suas vidas pessoais, tudo para saber a origem de eventuais dificuldades.
Já no I.L. Peretz, os tutores realizam com o aluno autoavaliações. "Vemos com eles quantas vezes o estudo é interrompido pela ida à geladeira", exemplifica Evelina Holender, assessora pedagógica da escola.
Nilson José Machado, chefe do departamento de metodologia do ensino da Faculdade de Educação da USP, considera positiva a introdução da tutoria nas escolas. "Na universidade, a tutoria é um trabalho de orientação. Um aluno da educação básica precisa de mais orientação ainda. Na conversa com os professores se estimula, se cria o interesse [pelo estudo]."
Mas ele não concorda com a transformação desse tipo de orientação em uma disciplina. "Há alunos que precisam estudar duas horas, outros, seis. É importante que a escola respeite essa diversidade."
O pedagogo Ulisses de Araújo, professor da USP-Leste, concorda. "Na educação tudo o que se tenta homogeneizar é um equívoco. Esse conceito [de tutoria] vem do modelo de empresas, quer deixar o aluno organizado, treinado. Para a criança que já tem autonomia, isso pode ser catastrófico."
As escolas dizem que, apesar de a aula ser comum a todos os alunos, aqueles com dificuldades recebem atenção individualizada. No Stockler, por exemplo, a tabela de estudos é definida com cada um dos jovens e seu uso não é obrigatório. "Ela me ajudou bastante. Aprendi a me organizar, e as notas melhoraram", conta Rogério Pereira, 16, aluno do 2º ano do ensino médio.


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