São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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Vovô tuitou a uva

Clássicos da literatura didática resistem ao tempo e se renovam em meio às mudanças tecnológicas e à evolução do ensino

Silvia Zamboni/Folhapress
O professor José Ruy Giovanni Jr. mostra apetrechos que usa no ensino da matemática

JAMES CIMINO
DE SÃO PAULO

Com um método de ensino empoeirado pelo tempo, a cartilha "Caminho Suave" resiste para não desaparecer da memória após alfabetizar 40 milhões de brasileiros nas últimas seis décadas.
Em sua 129ª edição, a obra de Branca Alves de Lima ensina por meio da memorização de imagens relacionadas a letras do nosso alfabeto.
A lição sobre a letra "V" -até hoje associada a "Caminho Suave", mesmo não se tendo certeza de sua origem- que embora já não exista sob a forma de "Vovô viu a uva. A uva é da vovó", até hoje povoa o imaginário coletivo por meio do trocadilho politicamente incorreto que originou.
O MEC (Ministério da Educação), contudo, considera a metodologia ultrapassada e aboliu a cartilha da rede pública do país. Graças a isso, a tiragem, que até os anos 1990 ultrapassava o milhão de cópias, agora chega a meros 5.000 exemplares.
Ainda assim, a cartilha está entre as obras mais vendidas da Edipro, editora que comprou os direitos de publicação do livro com o compromisso de não modificar sua estrutura e método.
"O que poderemos é fazer algumas atualizações pedagógicas e ortográficas", conta a coordenadora da Edipro, Maíra Lot Vieira.
Segundo a editora, o livro ainda é usado como material de apoio e é bastante utilizado na alfabetização de adultos, árabes e orientais -estes últimos pouco familiarizados ao nosso alfabeto.

CLÁSSICOS DA DIDÁTICA
Nem todos os autores de clássicos da literatura didática são adeptos da persistência metodológica da "Caminho Suave" e, graças a revisões, modificações e atualizações gráficas e no método do ensino, mantêm-se entre os preferidos do MEC.
Este é o caso de "A Conquista da Matemática", criada há quase 35 anos pelos professores José Ruy Giovanni e Benedito Castrucci -e ainda uma das campeãs em vendas nas escolas.
O livro, que quando surgiu era um emaranhado de equações e números, hoje dá espaço à história da matemática, figuras, fotos e exemplos práticos que objetivam responder à constante pergunta dos estudantes: "Em que vou usar isso na minha vida?"
"Procuramos acabar com a ideia de que a matemática é uma disciplina abstrata cujo entendimento é privilégio de poucos. Escrevemos um livro acessível aos estudantes, mas que também traz novidades a professores", diz José Ruy Giovanni Jr., que há 20 anos escreve a obra com o pai, de quem foi aluno no Colégio Arquidiocesano.

SEM QUESTIONÁRIOS
O reflexo da revolução tecnológica da década de 1990, que tornou o computador e a internet presença obrigatória na vida dos estudantes, também foi preponderante na reformulação do livro didático através dos anos.
"Questionário e decoreba são coisa do passado, já que o computador agora é a memória coletiva. Importa mais como trabalhar e discutir a informação", diz Wilson Paulino, autor do livro "Ciências", do ensino fundamental e "Biologia", do médio.
Mas a inovação nesse tipo de material não vem de agora. Nelson Piletti, que com o irmão Claudino escreveu "História e Vida", já trazia mudanças no ensino da disciplina nos anos 1980.
O livro mostrava reflexos do passado no presente e abria espaço para várias interpretações dos fatos.
"No fim do capítulo que tratava do regime militar, eu colocava um texto do Jarbas Passarinho, fazendo a defesa, e outro do Darcy Ribeiro, fazendo a crítica ao regime", conta Piletti.
Criticado por tratar de temas como o MST e o liberalismo econômico da era FHC, o livro foi alvo de um manifesto de produtores rurais mineiros, que exigiam do governador do Estado sua retirada da rede pública por incitar a violência no campo.
Coincidência ou não, o livro foi abolido da rede pública e voltou a ser adotado apenas em 2002, após passar por reformulação de conteúdo.
"Reformulamos textos mais incisivos, tiramos questionários e colocamos indicações de filmes e sites da internet. Agora, o livro fazia crítica da era FHC porque o governo Lula nem tinha começado. Hoje o livro já trata do mensalão, por exemplo."


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