São Paulo, segunda-feira, 25 de abril de 2011

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RICARDO SEMLER

Tsunami de espertos


Para um mundo melhor, a ética tem de voltar para os currículos escolares de forma transdisplicinar


Fiquei com medo, depois me arrependi. Tinha ido falar para a empresa de um ricaço russo e ele me convidou para conhecer sua fazenda na Sibéria. Declinei, meu voo era na mesma noite. Ele esclareceu: daria tempo, iríamos no seu Mig.
Desde então conheci vários dos barões -todos "amigos" do Putin, e fiquei envergonhado de ter ido até Moscou. Lembrei de encontros similares com coreanos, chineses e indianos, todos amigos do rei, quase todos com passado nebuloso. Depois, me lembrei do Brasil. Pegue-se os três maiores dos seguintes ramos: fundos de pensão, construtoras, bancos, private equities e grupos familiares, e tem-se uma parcela substantiva e vergonhosa do patrimônio nacional em poucas mãos.
A relação incestuosa é gritante: bancos donos de empresas, empresas com investimento do BNDES, private equities em oligopólios, bancos sócios dos private equities e o BNDES, novamente, em tudo.
Os Brics têm em comum grandes grupos, quase todos -91% deles- composto de famílias apoiadas pelo governo. A Coreia começou isso abertamente, criando familías-negócio ("chaebols") e uma rede tentacular de concentração econômica. O Brasil segue essa linha.
O mundo civilizado também era assim há cem anos, e os "robber barons" -barões ladrões- como Rockfeller ou Carnegie limparam seus nomes através das gerações, fazendo filantropia. Os brasileiros começam a se preocupar com isso através de programas cosméticos empacotados de responsabilidade social. Mas quase todos têm origens que envolveram favores ou proteção.
Os Brics representam um tsunami econômico que está diluindo Europa e EUA, que já tinham se livrado dessa relação impura -o capitalismo selvagem está jogando ondas por cima do socialismo brando que imperou nas últimas décadas. Os Brics são os novos-ricos e o mundo promete piorar agora que os hunos invadem a civilização.
O Brasil venera espertos. Se alguém fizer um cruzamento entre os mais reverenciados nas colunas sociais e processos no Judiciário e na polícia, verá enorme coincidência.
Lembram da patética matéria de educação moral e cívica? Precisa voltar. Não naquele formato hipócrita, mas com a ética com papel transdisciplinar na escola. É lá que precisamos responder como o Brasil do futuro quer lidar com riqueza e poder. Em vez de babar para quem tem um tênis caro, vale pensar sobre regras limpas.
O mundo demorou mais de século para se sofisticar, apenas para ser vítima de um tsunami de "insiders" que fará afundar esse progresso. Será assim até que consigamos colocar, novamente, a cabeça para fora da água turva.


RICARDO SEMLER, 51, é empresário. Foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Foi escolhido pelo Fórum Econômico de Davos como um dos Líderes Globais do Amanhã. Escreveu dois livros ("Virando a Própria Mesa" e "Você Está Louco") que venderam juntos 2 milhões de cópias em 34 línguas.


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