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Repúblicas do câncer

Casas nos arredores do Hospital de Câncer de Barretos abrigam pacientes que viajam milhares de quilômetros, desde Estados do Norte e do Nordeste, em busca de tratamento especializado

Joel Silva/Folhapress
Fachada de república em Barretos, SP, onde moram pacientes de Ji-Paraná, Rondônia
Fachada de república em Barretos, SP, onde moram pacientes de Ji-Paraná, Rondônia

CLÁUDIA COLLUCCI
ENVIADA ESPECIAL A BARRETOS

Pacientes viajam até 3.000 km para conseguir tratamento no Hospital de Câncer de Barretos (interior de São Paulo), a maior instituição oncológica do país, que faz 3.000 atendimentos por dia.

Uma verdadeira cidade paralela com cerca de 2.000 doentes de câncer, a maioria das regiões Norte e Nordeste, está se formando nos arredores do hospital, que só atende clientela do SUS.

Em geral, os pacientes chegam com tumores em estágio avançado, o que demanda tratamentos demorados. Isso os obriga a morar na cidade por longos períodos.

Eles vivem em repúblicas, casas alugadas pelas prefeituras de suas cidades de origem ou mantidas pela Fundação Pio XII, que administra o hospital.

No Estado de Rondônia, por exemplo, 97% dos pacientes com câncer vão se tratar em Barretos, segundo dados do hospital.

O município de Ji-Paraná (RO), a 2.200 km de Barretos, mantém uma casa alugada perto do hospital. Ali, 38 doentes dividem uma casa com cinco quartos -cada um tem dois ou três beliches.

Todas as tarefas de casa, como cozinhar, lavar louça e fazer faxina, são divididas. "A regra é clara: quem está melhor ajuda mais", conta Maria Aparecida Santos, que acompanha a irmã Teresa, com um tumor de mama.

Eles recebem cestas básicas doadas por comerciantes de Ji-Paraná e, semanalmente, cada morador colabora com R$ 15 para a compra de carne e verdura.

"É uma família. Um vai apoiando o outro porque está todo mundo na mesma situação", diz Isabel Coelho, que operou há três semanas de um câncer de tireoide.

Ela mora na república há quase um ano. Até setembro do ano passado, era só acompanhante da filha, que tem melanoma (câncer de pele agressivo). No início deste ano, descobriu o nódulo na tireoide e passou a ser também paciente do hospital.

No ano passado, o governo de Rondônia fez uma parceria com o hospital de Barretos para que a instituição assuma a gestão de uma unidade oncológica em Porto Velho. A ideia é frear a migração de pacientes.

"Por que tem que vir paciente de 3.000 km para cá [Barretos]? A gente puxa uma linha reta da região Norte até aqui e vê que, no meio do caminho, só existe um hospital pequeno que não dá conta nem dos pacientes do município dele", afirma Henrique Prata, presidente do hospital de Barretos.

Segundo Prata, 40% da demanda do hospital é de pacientes de outros Estados.

ESTRESSE

A distância da terra natal e da família estressa os pacientes. A Folha ouviu 15 deles e todos se queixaram da saudade de casa.

"A gente sabe que está num dos melhores centros do país, mas é muito triste ficar longe da família. Choro todos os dias. Isso acaba não ajudando no tratamento", afirma Maria da Conceição Carneiro, de Ji-Paraná, que faz tratamento contra um tumor no intestino e está em Barretos há três meses.

Outro que se queixa de saudade é o caminhoneiro Francidário de Souza, de Guanambi (BA), a 1.213 km de Barretos. Ele acompanha o filho Gustavo, 12, que tem linfoma, mas descobriu no mês passado que também será paciente do hospital: recebeu diagnóstico de tumor no cérebro.

A mulher e a filha mais velha estão na Bahia. "Nessas horas, tudo o que a gente quer é estar perto da família."

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