São Paulo, sábado, 01 de janeiro de 2011

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ENTREVISTA JULIO CÉSAR ACOSTA NAVARRO

Dieta vegetariana ainda é alvo de preconceito

CARDIOLOGISTA VEGETARIANO EXPÕE EM LIVRO VANTAGENS DE NÃO COMER CARNE E FALA SOBRE A DIFICULDADE DE FAZER PESQUISAS SOBRE O ASSUNTO NO BRASIL

Carlos Cecconello/Folhapress
O cardiologista Julio César Acosta Navarro em seu consultório na Vila Mariana, em São Paulo

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

O cardiologista peruano Julio César Acosta Navarro convive com dois mundos diferentes. Um é o da medicina intervencionista -ele é médico do setor de Emergências Clínicas do InCor (Instituto do Coração), do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O outro, objeto de suas pesquisas, envolve o estudo dos efeitos de longo prazo da dieta vegetariana, ainda pouco compreendida pela ciência ocidental.
Em entrevista à Folha, Navarro, que acaba de lançar o livro "Vegetarianismo e Ciência" (Ed. Alaúde), fala do preconceito no meio acadêmico em relação a essa dieta e aponta benefícios e dificuldades encontrados por quem quer praticá-la.

 


Folha - O fato de você ser vegetariano interfere na forma com que as pessoas veem o seu trabalho? Julio César Acosta Navarro - Se um cientista diz que é vegetariano, acham que seu trabalho está orientado por interesses além dos científicos. A questão é polêmica, e o tema não é facilmente aceito na academia. Senti isso na pele quando tentei defender minha tese de doutorado, sobre benefícios da dieta vegetariana, pela primeira vez. Eu tinha um trabalho que já havia sido aceito para publicação e apresentado em congressos, mas não foi aceito. Tive que desenhar um segundo estudo e só pude defender a tese dois anos depois.

Você sempre seguiu esse tipo de dieta?
Como a maioria, cresci em uma família em que a carne era o alimento favorito, acreditando que, além de gostosa, era necessária. Aos 15 anos, a partir de leituras de filosofias orientais, me convenci de que ser vegetariano era uma mudança para melhor. Nessa idade, não parei de comer carne -comia o que minha mãe me servia-, mas, aos 20, adotei o vegetarianismo. Como já estava na universidade, decidi investigar a questão do ponto de vista médico. Era o início dos anos 80, o vegetarianismo era associado a religião e radicalismo. Hoje, é uma questão da ciência, da ecologia.

Publicações científicas atuais começam a usar o termo "semivegetarianos". Isso existe?
É um termo novo, mas é um grupo real. É encontrado em populações que comem pouca carne por falta de acesso, por ser cara, e em grupos simpatizantes do vegetarianismo que não conseguem abolir a carne do cardápio. A definição técnica é o consumo de no máximo uma porção de carne por semana.

Como esse grupo se diferencia dos outros dois?
A taxa de colesterol nos onívoros é significativamente maior do que nos semivegetarianos. Por outro lado, comparados com vegetarianos, os "semi" têm níveis de colesterol mais altos.

A dieta mediterrânea é comparável à semivegetariana?
Pesquisas mostram que ela traz mais benefícios que a dieta típica ocidental, com mais carne. Mas não é considerada semivegetariana. A dieta mediterrânea é mais "marqueteada" porque é menos radical e tem produtos que podem ser explorados comercialmente, como azeite, vinho etc.

Como a ciência explica os benefícios do vegetarianismo?
Os mecanismos mais importantes são creditados ao menor consumo de gordura saturada, calorias e ao maior consumo de fibras e substâncias antioxidantes, como vitaminas C e E e betacaroteno.

Quais são os problemas nutricionais da dieta sem carne?
A vitamina B12 é o calcanhar de aquiles da dieta vegetariana estrita, também chamada de vegana. A falta dessa vitamina pode causar problemas hematológicos, como anemia, e neurológicos. Há casos dramáticos, especialmente em crianças. Mas, se olharmos com atenção, veremos que isso ocorre em dietas muito estritas e desequilibradas. Nas dietas ovolacto e lactovegetarianas, as fontes de B12 estão asseguradas. No caso da vegana, é preciso assegurar o consumo adequado da vitamina, por meio de suplementos ou alimentos fortificados.

Quais são as dificuldades para abolir a carne do cardápio?
Algumas pessoas têm sintomas parecidos com síndrome de abstinência, como irritação. O mais difícil é conviver com pessoas que têm hábitos diferentes. Sua mãe ou sua mulher podem achar que você pirou. Se você mora com pessoas que comem diferente, vai fazer o quê? Preparar duas refeições por vez?

Equilibrar o cardápio também não é uma dificuldade?
Com um pouco de informação, não é difícil. Não é preciso equilibrar todos os nutrientes no mesmo dia. Se, no decorrer da semana, a pessoa consome diferentes fontes de nutrientes, está fazendo uma dieta equilibrada.


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