São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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Casal faz FIV para impedir doença genética

Jovens optam por selecionar embrião

Marlene Bergamo/Folha Imagem
Paula e André Bittencourt, que fizeram FIV para evitar doença

FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ele foi diagnosticado com uma doença genética incurável aos 30 anos. Das leves pontadas nos pés que sentia no início, foi perdendo a sensibilidade e a força nas pernas e teve dores no corpo todo, problemas digestivos e cardíacos. Perdeu a mãe e o irmão pelo mesmo problema e deixou Manaus, onde nasceu, para buscar um transplante de fígado em São Paulo -a única forma de parar a evolução da síndrome. Esperou por quase dois anos até que, em janeiro de 2008, conseguiu um doador.
Um ano depois, o funcionário público André Luiz Gonçalves Bittencourt, 32, está recuperado da cirurgia e se prepara para ser pai. Sua mulher, a engenheira civil Paula de Melo Bittencourt, 30, está grávida de uma menina que, com 98% de certeza, não terá o gene causador da síndrome que afetou a família, a paramiloidose.
Se tivessem optado por uma gravidez natural, a chance de o bebê nascer com o problema seria de 50%. André não queria correr o risco, mas Paula chegou a cogitar essa opção. "Eu sempre quis ser mãe e até pensei em engravidar naturalmente. Mas, com a morte do irmão dele, compreendi todo o sofrimento que essa doença causa."
Pensaram, então, em adotar. Foi quando descobriram a possibilidade de fazer uma FIV (fertilização in vitro) na qual só embriões saudáveis são implantados. Isso é possível graças a um exame chamado DPGI (diagnóstico genético pré-implantacional), pelo qual é feita uma biópsia em uma das células de cada embrião para verificar se possui ou não a mutação. O problema é que o casal só encontrou registros do procedimento para essa doença em outros países, principalmente em Portugal, que concentra o maior número de casos. "Tentamos com vários médicos e nenhum aceitou. Eles diziam que nunca tinha sido feito no Brasil para essa síndrome, que não a conheciam, que era complicado. Um médico de Manaus chegou a falar para a gente desistir", conta Paula.
Até que encontraram um especialista que aceitou pesquisar sobre a doença e fazer a tentativa. O DGPI, no entanto, teria que ser realizado nos Estados Unidos, pois exigia uma sonda específica, e o preço não ajudava, ainda mais em época de alta do dólar: US$ 4.000. "As células dos embriões seriam coletadas em São Paulo e enviadas para os EUA, e o resultado sairia em questão de horas. Mas era um gasto muitíssimo elevado para a gente. Apesar de todo mundo dizer que não tinha como fazer no Brasil, continuamos a pesquisar", diz Paula.
A insistência deu frutos. Descobriram, em uma entrevista na televisão, uma pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) que realiza o exame para várias doenças e disse que poderia fazer o teste para eles. Mas surpresa mesmo Paula ficou quando perguntou o preço. "Ela disse: "Nada. Você não paga seus impostos? A universidade é pública". Quase não acreditei", conta.

Tratamento
O tratamento, lembra Paula, não foi fácil. Para que pudesse produzir muitos óvulos -o que aumentaria a chance de gerar embriões saudáveis-, ela precisou receber uma alta dose de hormônios e teve a chamada síndrome do hiperestímulo ovariano, com efeitos colaterais que a deixaram de repouso absoluto por uma semana. Os embriões foram congelados.
Enquanto isso, foi descoberto que seu endométrio (camada que reveste internamente o útero) era fino demais, e passaram-se dois meses até que atingisse, com a ajuda de remédios, a espessura mínima necessária.
Após o descongelamento, quatro dos 11 embriões iniciais não resistiram e, segundo o resultado da biópsia, cinco tinham o gene da paramiloidose. Os dois que sobraram foram transferidos para o útero de Paula, que se emociona ao lembrar esse momento. "A transferência foi um momento muito, muito mágico. Depois disso a gente sempre acreditou que tinha dado certo."
Ansiosos, os dois compraram um teste de farmácia, cujo resultado -positivo e fotografado para álbum de família- foi confirmado pelo exame de sangue. Agora, três meses depois, sabem que é uma menina, Helena, que será criada em Curitiba, para onde o casal se mudará em busca de qualidade de vida.
Eles acreditam que seja o primeiro caso de fertilização in vitro com a separação do gene da paramiloidose no país e dizem que o tratamento deu esperança a outros portadores da doença. "Toda a comunidade de paramiloidose no Brasil está se sentindo vitoriosa", diz Paula.
Sobre os 2% de chance de que a criança nasça com o gene da paramiloidose, André diz que eles decidiram confiar no exame por considerarem uma margem pequena. "Decidimos não fazer o diagnóstico preciso depois do nascimento, mas não vamos fingir que nada aconteceu. Vamos manter a memória da doença e alertá-la."
O ginecologista e especialista em reprodução humana Arnaldo Cambiaghi, responsável pelo tratamento, diz que a indicação da FIV com DGPI para pessoas com doenças genéticas ocorre quando o problema é mortal ou compromete gravemente a saúde, podendo causar grande sofrimento à criança e aos pais. "O importante é que as pessoas saibam que mesmo casais com doenças genéticas graves na família podem engravidar sem passar a herança para os filhos", afirma.


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