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Rim usado em transplante é retirado por via vaginal
Em cirurgia inédita, feita na Johns Hopkins, mulher doou órgão para sobrinha
Segundo especialistas, o procedimento acelera a recuperação do doador vivo e diminui as cicatrizes, o que pode encorajar a doação
CLÁUDIA COLLUCCI
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Pela primeira vez, cirurgiões
da Johns Hopkins University,
nos EUA, usaram a vagina como meio de acessar e remover
um rim saudável de uma mulher de 48 anos e transplantá-lo
em sua sobrinha. A cirurgia
aconteceu no último dia 29.
Ambas passam bem.
O procedimento representa
uma nova utilização das chamadas cirurgias por orifícios
naturais (Notes, na sigla em inglês), nas quais operações são
feitas pela vagina, boca, uretra e
ânus -os dois últimos casos
ainda em fase experimental.
Nesse caso, o rim sadio foi retirado através da vagina com a
necessidade de pequenos cortes no abdômen e no umbigo.
De acordo com os médicos
americanos, o procedimento
acelera a recuperação do doador e diminui as cicatrizes, o
que pode encorajar potenciais
doadores vivos de órgãos.
Para o cirurgião Ricardo Zorrón, professor associado da
Universidade de Estrasburgo
(França) e um dos pioneiros da
técnica no Brasil, a Notes tem
grande potencial para ser utilizada em transplante porque é
mais rápida e minimiza os riscos pós-cirúrgicos do doador.
"No transplante, o órgão não
pode ser machucado. A via vaginal promove uma boa saída."
As menores cicatrizes podem
beneficiar as pacientes. "É uma
ideia interessante, principalmente pela questão estética.
Mas alguns critérios precisam
ser esclarecidos. Foi realizado
em um grande centro de referência e provavelmente vamos
discutir isso em encontros", diz
a nefrologista Irene Noronha,
coordenadora clínica do programa de transplante de rim e
pâncreas do Hospital Beneficência Portuguesa.
Para o nefrologista José Medina Pestana, diretor do Hospital do Rim e Hipertensão da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo) e chefe da central
de transplantes do Hospital
São Paulo, a Notes pode trazer
riscos à integridade do órgão a
ser transplantado.
Medina acrescenta a cirurgia
por orifícios naturais, para casos de transplante, oferece algumas limitações. "O procedimento não é indicado para pacientes obesos e para aqueles
que já foram submetidos a outras cirurgias no abdômen",
afirma o médico.
O nefrologista Luiz Estevam
Ianhez, chefe do setor clínico
da Unidade de Transplante Renal do Hospital das Clínicas,
também não vê vantagens no
Notes, pelo menos na área de
transplante. "A laparoscopia já
cumpre muito bem o seu papel
e é muito difundida. É minimamente invasiva, não deixa cicatriz. Não vejo razão nenhuma
para se pensar nisso [na utilização da Notes]", diz ele.
Atualmente, o transplante de
rim intervivos pode ser realizado por lombotomia (corte na
região lombar), que deixa cicatriz, e por videolaparoscopia,
com um pequeno corte no baixo ventre, semelhante ao de
uma cesariana, com recuperação mais rápida e menos dolorosa, mas com maior custo.
Experiência brasileira
No Brasil, aos menos 200
Notes já foram realizadas, o que
coloca o país como o detentor
do maior registro de casos em
comparação com os EUA e a
Europa, segundo Zorrón.
Ele afirma que as maiores
vantagens dessa cirurgia são a
recuperação mais rápida e um
menor riscos de infecções. Em
geral, os órgãos mais operados
pela via vaginal são rim, vesícula e útero. Também estão sendo
feitas biópsias de tumores na
região vaginal. Já foram feitas
cirurgias de redução de estômago pela boca.
Os médicos introduzem um
endoscópio flexível (aparelho
que faz uma inspeção visual do
órgãos e o opera) e instrumentos especiais por meio de um
corte de um centímetro no interior da vagina.
O aparelho é capaz de fazer
curvas e percorrer todo o abdômen até chegar ao rim e à vesícula, por exemplo. A operação é
feita com anestesia geral e dura
50 minutos. "É a terceira revolução da cirurgia. Primeiro foi
anestesia, depois a videolaparoscopia e, agora, a cirurgia por
orifícios naturais", diz Zorrón.
Na sua avaliação, as cirurgias
por orifícios naturais podem
vir a representar ganhos ainda
maiores que os da laparoscopia.
"Metade dos nossos pacientes
não toma nenhum medicamento para dor após a cirurgia.
O paciente que faz laparoscopia
sempre tem uma restrição física, menor que a cirurgia aberta,
mas que o obriga a ficar 15 dias
sem fazer esforço. No Notes,
em 48 horas o paciente pode ir
trabalhar."
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