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ENTREVISTA
DAVID GOLDBERG
Criar doenças mentais só atrapalha tratamento
Referência na psiquiatria, o britânico David Goldberg defende a simplificação das possibilidades de diagnósticos
O PSIQUIATRA QUE CRIOU uma das ferramentas mais
usadas hoje em saúde pública diz que os livros considerados as bíblias dessa área médica pecaram por inventar um número muito
grande de doenças mentais. Na opinião
de Sir David Goldberg, professor do
King's College de Londres, psiquiatras
precisam abandonar o hábito de subdividir transtornos como depressão e ansiedade em uma infinidade de subtipos
e evitar listar comportamentos normais
como sintomas de doenças.
Leonardo Wen/Folha Imagem
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O psiquiatra britânico participa
do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em São Paulo
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Goldberg elaborou e provou
a eficácia do uso de questionários mais simples para estimar
a prevalência de transtornos
psiquiátricos em grandes populações. O feito lhe rendeu
prestígio na comunidade médica e seu título de cavaleiro concedido pela coroa britânica.
Em entrevista à Folha em
São Paulo, onde esteve para o
Congresso Brasileiro de Psiquiatria, falou sobre sua proposta para as novas edições dos
livros que ditam o establishment da psiquiatria: o DSM
(Manual de Diagnósticos e Estatísticas), da Associação Americana de Psiquiatria, e a CID
(Classificação Internacional de
Doenças), da OMS. Ele integra
as duas comissões.
FOLHA - Quais são as mudanças
que o sr. está propondo para a classificação de doenças mentais?
DAVID GOLDBERG - Temos transtornos muito relacionados uns
com os outros, em diferentes
capítulos das duas classificações. Se você tem um transtorno em dois ou mais capítulos,
significa que você tem duas ou
três doenças completamente
diferentes. Acho isso estúpido,
porque há apenas variações pequenas de sintomas que distinguem um transtorno do outro.
Estou me referindo aos
transtornos emocionais, que
incluem as depressões unipolares simples, os estados de ansiedade, os transtornos de medo e os de ordem somática.
Essa distinção clara entre
doenças não existe na natureza.
Você só pode fazer diagnósticos
ignorando alguns sintomas, então seria melhor se os médicos
apenas descrevessem os sintomas gerais que as pessoas têm
nesse grupo de transtornos.
Hoje, os psicólogos já fazem
isso, falam em coisas como
"transtorno de pânico com ansiedade geral" ou "agorafobia
com pânico" e combinações de
transtornos de medo. Nós poderíamos fazer o mesmo. Por
que não falamos em "depressão
ansiosa", que é o tipo mais comum de transtorno, ou "ansiedade com sintomas somáticos",
se essas são as combinações
que se costuma encontrar?
FOLHA - No Brasil, a comunidade
acadêmica usa mais o DSM, enquanto as autoridades de saúde
usam a CID. Isso não gera confusão?
GOLDBERG - A CID tem três diferentes versões. Uma delas é a
versão acadêmica, que é uma
"cópia xerox" do DSM. É um
xerox muito malfeito, porém,
porque há 78 diferenças entre a
maneira como ambos definem
doenças mentais. É preciso
harmonizar essas diferenças,
porque ter um diagnóstico definido de duas maneiras diferentes deixa todo mundo louco.
FOLHA - Alguns psicólogos creem
que se diagnostica depressão em
pessoas com um tipo normal de tristeza. O DSM e a CID têm culpa nisso?
GOLDBERG - Com relação ao
DSM, há uma tendência de incluir no manual aquilo que se
chama de depressão subclínica,
abaixo do limiar [para ser considerada transtorno]. Eu me
oponho a isso rigorosamente
porque não gosto de medicalizar estados de tristeza moderada pelos quais todos passamos.
Os pacientes querem saber
se existe uma intervenção que
vai ajudá-los. Não existe evidência de que, em se tratando
da depressão subclínica, eles
serão ajudados com uma droga.
FOLHA - Outro ponto do DSM sobre o qual há controvérsia é o TDAH
(Transtorno do Deficit de Atenção e
Hiperatividade). Alguns psicólogos
dizem que crianças desatentas, porém normais, têm sido diagnosticadas e tratadas com ritalina.
GOLDBERG - É um risco opinar
sobre algo que ocorre em outros países [como os EUA], mas
minha impressão é que há diagnóstico em excesso. Mas o que
me preocupa mais são as drogas letalmente ativas que estão
sendo usadas para tratar crianças hiperativas. Fico alarmado
quando crianças as tomam.
FOLHA - Isso não seria problema se
a ritalina não fosse tão usada?
GOLDBERG - A ritalina é muito
eficiente para hiperatividade,
não é o caso de bani-la. Muitos
professores primários se recusam a ter algumas crianças em
suas salas a menos que elas tomem ritalina. Do ponto de vista
do ensino, ela é defensável.
FOLHA - Quanto ao excesso de
diagnósticos, se a culpa não é do
DSM, são os psiquiatras americanos
que estão exagerando?
GOLDBERG - Há pessoas que não
são americanas e se interessam
em transtornos subclínicos.
Elas querem identificá-los e
atribuir-lhes códigos numéricos com aparência científica.
Você tem de limitar o que define como doença mental, e o
melhor meio de fazer isso é rotular apenas coisas para as
quais haja evidência de que tratamentos ativos sejam melhores do que placebos. As evidências são pobres de que a depressão subclínica, por exemplo, é
afetada pelo tratamento.
Se perguntar a adolescentes
sobre seus hábitos alimentares,
aqueles que poderiam ser chamados de transtornos alimentares subclínicos são muito
mais comuns do que a bulimia e
a anorexia nervosa completas.
Muitos estão sendo diagnosticados com "transtornos alimentares não classificados". Se
você quer impedir esses transtornos de se desenvolverem, é
preciso reconhecer que eles
existem em um grau subclínico,
sem necessariamente chamá-los de doenças. O que importa é
que a criança e a família recebam bons conselhos. Há áreas
em que olhar para os transtornos subclínicos é útil, do ponto
de vista preventivo.
FOLHA - Os manuais ainda incluem
transtornos de conduta sexual?
GOLDBERG - Sim. É útil ter nomes para transtornos para os
quais existe um bom tratamento. Um dos aspectos positivos
sobre problemas sexuais é que
geralmente eles são tratáveis.
FOLHA - Os psiquiatras têm mostrado vontade de mudar a CID?
GOLDBERG - Nem todo mundo
agirá em favor de uma nova
classificação, mas é interessante ver como as classificações
mexem com a visão dos médicos. Eles veem o mundo por categorias descritas nas grandes
classificações, e acho que simplificá-las seria importante para eles e para a humanidade.
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