São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008

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Crianças têm mais pedra nos rins

Sem pesquisas formais, médicos brasileiros relatam aumento do número de casos nos consultórios

Dieta rica em alimentos industrializados e pouca ingestão diária de água contribuem para formação de mais cálculos renais

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Crianças estão sofrendo mais de pedra nos rins. É o que constatam os especialistas, que observam aumento do número de casos de cálculo renal em seus consultórios. "Não há um trabalho científico brasileiro que mostre esse fato, mas é possível afirmar isso com base em conversas com outros urologistas. Atendo uma criança por dia com pedra no rim. Alguns anos atrás, havia um caso por mês", diz Miguel Zerati Filho, chefe do Departamento de Uropediatria da Sociedade Brasileira de Urologia.
As mudanças dos hábitos alimentares são uma das causas do aumento da incidência do problema. É que a dieta mais rica em alimentos industrializados e pobre em ingestão de água favorece a formação de cálculos. Refrigerantes e sucos artificiais, além de oferecerem sódio, contêm corantes, que também contribuem para a formação dos cálculos renais. "A comida muito rica em sal, como salgadinhos e hambúrguer, provoca aumento da eliminação do cálcio nos rins", explica Nilzete Liberato Brezolin, presidente do Departamento Científico de Nefrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Para eliminar o sódio em excesso, o organismo também passa a eliminar mais cálcio. Esses cristais, que podem ser formados também por sais de cálcio, ácido úrico, estruvita ou cistina (um tipo de aminoácido), quando presentes em grande quantidade, podem se aglomerar e formar pedras.
Outro fator predisponente é o aumento do número de bebês prematuros. Como o sistema urinário ainda não está completamente amadurecido, os rins não lidam bem com a excreção das substâncias. "Temos casos de recém-nascidos com cálculo, já que hoje em dia conseguimos manter vivos prematuros extremos", afirma João Tomás de Abreu, chefe do setor de nefrologia pediátrica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). No entanto, se o problema do bebê é relativo somente à imaturidade do organismo, à medida que cresce, a situação pode se normalizar.
O maior acesso a exames mais precisos também ajuda a engrossar os números. "Com a popularização do ultra-som, muitos cálculos encontrados são os que chamamos de incidentais, muito pequenos, que dificilmente causariam sintomas antes da adolescência", explica Zerati Filho.

Fatores inevitáveis
Algumas crianças têm chances maiores de sofrerem de litíase (formação de cálculos). A herança genética é um forte indicador de risco e deve servir de alerta para uma reclamação de dor inespecífica. Filhos, netos ou sobrinhos de pessoas que já passaram pelo problema são mais predispostos a desenvolver pedra no rins.
Alguns distúrbios metabólicos também podem levar a maior produção ou grande dificuldade de eliminação das substâncias. A baixa produção de citrato, um elemento que auxilia na solubilização dos cristais, propicia a aglomeração desses elementos.
Além disso, infecções urinárias que causam febre, bastante comuns na infância, podem passar despercebidas pelo pediatra, mas contribuem para um cenário propício à formação de cálculo. "Algumas bactérias desdobram a uréia do organismo e é produzida uma enzima formadora de pedras. É comum tratar crianças com infecção e litíase", diz Zerati Filho.
O tratamento, nesses casos, é semelhante ao dos adultos para a eliminação das pedras e não há mudanças na dieta alimentar. Como estão em fase de crescimento, não podem restringir o consumo de fontes de cálcio, como os laticínios, e de ácido úrico, como as carnes. "O nefrologista pediátrico lida de forma diferente, não nos preocupamos com restrições na infância. O indivíduo que tem carga genética excreta muito independentemente da dieta", afirma João Tomás de Abreu, da Unifesp.
Mas a ingestão de líquidos e de alimentos supérfluos ricos em sódio, como os salgadinhos e biscoitos recheados, pode ser alterada. "A criança deve ingerir no mínimo 50 ml de água por quilo e pode evitar alimentos muito salgados", diz Nilzete Liberato Brezolin.
Especialmente nesta época do ano, quando os dias são mais quentes, é preciso monitorar o consumo de líquidos -a urina da criança deve ter cor clara, do contrário, é sinal de que não bebe quantidade suficiente de líquidos. Pesquisas realizadas com adultos mostram que, no verão, a eliminação de cálcio pela urina é maior.


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