|
Próximo Texto | Índice
HISTÓRIA
Com medo do medo
A advogada Silvana Prado, 51, percorreu um longo caminho até encontrar uma resposta para suas crises de pânico e aprender a controlá-las;
hoje coordena um grupo de
autoajuda
Caio Guatelli/Folha Imagem
|
|
A advogada Silvana Prado, 51, que superou as crises de pânico
GABRIELA CUPANI
DA REPORTAGEM LOCAL
A advogada paulista Silvana
Prado, 51, não esquece seu primeiro encontro com o pânico:
estava com seus pais numa loja
de material esportivo quando,
sem nenhum motivo aparente,
começou a sentir um medo terrível. Seu coração disparou.
Tentava respirar e não conseguia, faltava-lhe o ar. Começou
a suar frio e a sentir tonturas.
Ela já havia experimentado,
com menos intensidade, alguns
desses sintomas -sempre os
atribuía ao cansaço. Da mesma
forma súbita como começava, o
desconforto desaparecia.
Silvana saiu da loja para respirar e decidiu ir até o carro na
tentativa de espantar a sensação ruim. Com os pais preocupados, foram todos embora.
Em vez de diminuir, ao chegar em casa o medo se transformou em pavor. A advogada não
conseguia conversar, sentia um
aperto no peito. Deitada, a sensação piorou. Com as mãos geladas, a visão embaçada e os lábios dormentes, teve certeza de
que estava morrendo. Deitou
no chão e esperou pelo pior.
A agonia durou 20 minutos e,
inexplicavelmente, desapareceu. A sensação tinha sido tão
devastadora que, ao final, Silvana mal conseguia andar.
Passados 17 anos de seu encontro com o pânico, como diz,
ela ainda é capaz de se lembrar
dos detalhes daquele dia.
Mãe de uma adolescente na
época, Silvana tinha acabado de
se mudar para os Estados Unidos em função de uma transferência de trabalho do marido.
Além de viver o estresse da
adaptação ao novo país, ela
convivia com uma tragédia recente: em dois anos havia perdido dois filhos com poucos
meses de vida, vítimas de uma
doença congênita rara.
Silvana sobreviveu àquele
ataque de pânico, mas vieram
muitos outros. Era sempre a
mesma coisa: de repente, sem
motivo nenhum, o coração disparava, sentia-se sufocada pela
falta de ar, a cabeça parecia estourar, sentia náuseas, achava
que estava ficando louca.
As crises também aconteciam à noite. "Acordava com o
coração disparado e as mãos
dormentes." Chegou a ter três
ataques desses por dia.
"O terror era meu companheiro constante. Depois da
primeira crise, ficou o pavor de
ter outra", conta. "Quanto mais
medo sentia, mais fraca ficava,
mais alimentava o medo e mais
poderosa a crise se tornava."
As crises eram tão assustadoras que ela ficou três meses sem
sair de casa, com receio de sofrer um ataque na rua e de se
descontrolar. "Tinha medo de
ter medo. Eu, que antes era capaz de dirigir até Toronto [no
Canadá], não conseguia mais ir
ao supermercado", diz.
Como havia passado por um
"check-up" pouco tempo antes,
a advogada sabia que não tinha
problemas cardíacos. Sua médica, então, lhe receitou remédios contra depressão.
Mas, há quase 20 anos, a síndrome do pânico era um enigma até para os médicos. A
doença não era tão estudada
nem estava tão em evidência.
Poucos especialistas sabiam
como diagnosticá-la e tratá-la.
O tempo passava e Silvana
não sentia melhoras. Um dia,
folheando uma revista que falava da síndrome do pânico, a foto de uma mulher lhe chamou a
atenção. "Me identifiquei imediatamente com a expressão de
pavor de seu rosto. Ali descobri
qual era meu problema."
Por conta própria
Silvana resolveu, então, buscar respostas por conta própria. Largou os remédios para
depressão e começou a frequentar bibliotecas e livrarias
em busca dos artigos mais recentes sobre o tema.
"Eu tinha ouvido dizer que
pânico não tinha cura e pensei:
"Bem, vou ser a primeira a me
curar disso". Fui criando meu
tratamento de maneira intuitiva. Li sobre os benefícios da atividade física e comecei a me
exercitar. Li sobre os benefícios
da meditação e comecei a meditar, a respirar corretamente. A
partir daí minhas leituras e estudos nunca pararam. Li tudo o
que havia nos Estados Unidos
sobre pânico, fiz entrevistas
com especialistas e vi que meus
passos estavam corretos", diz.
Silvana também usou técnicas da terapia cognitivo-comportamental. "Comecei a prestar atenção aos meus pensamentos, a analisar o que era
verdadeiro ou não, usando pensamentos lógicos para corrigir
as ideias distorcidas."
Foi assim, por conta própria,
que Silvana aprendeu que a síndrome do pânico pode ser desencadeada por um evento estressante, que se trata de um
transtorno de ansiedade e que
as crises podem ser controladas
com exercícios de relaxamento
e mudanças de comportamento, além dos remédios.
"A maioria dos pacientes precisa de medicamentos, mas ela
parece ter descoberto, de maneira intuitiva, estratégias para
mudar pensamentos e crenças", avalia o psiquiatra Acioly
Lacerda, da Universidade Federal de São Paulo. "Além disso,
por se tratar de um transtorno
de ansiedade, medidas que diminuam os níveis de tensão
servem como coadjuvantes."
A melhora foi surpreendente. Já na primeira semana as
crises noturnas sumiram. Em
seis meses, o problema estava
sob controle. "Mas nem todo
mundo melhora sem medicamentos", enfatiza ela.
Em 1999, de volta ao Brasil,
foi convidada a dar palestras
contando sua experiência. Ao
perceber o interesse de pessoas
que não tinham a quem recorrer, montou um grupo de autoajuda, o Apoiar, numa sala
emprestada pela igreja, em
Franca, no interior paulista.
Na primeira reunião apareceram cerca de 50 pessoas, com
males como pânico, depressão
e ansiedade. "Logo estávamos
atendendo 600 pessoas por
mês. Uma equipe de voluntários, entre acupunturistas, professores de ioga e psicólogos,
trabalhavam para dar apoio a
essas pessoas, ensinando técnicas de relaxamento e respiração, entre outros."
Nesse meio tempo, lançou
um livro contando sua experiência e passou a editar um
jornal sobre saúde mental.
Após quase dez anos de atividade, em outubro do ano passado o grupo encerrou os trabalhos por falta de recursos.
Atualmente, Silvana está negociando um acordo com uma
empresa que vai possibilitar a
retomada do trabalho.
"Eu me curei e isso é possível
se você está disposto a dar os
passos necessários em direção
à recuperação", diz.
Próximo Texto: Frases Índice
|