São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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Médicos indicam anabolizantes a jovens

Medicamentos, que tratam doenças neurológicas, anemia e falta de testosterona, não devem ser usados por pessoas saudáveis

Apresentando-se como um paciente que queria ganhar músculos para o verão, repórter da Folha passou por consulta com cinco médicos

RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL

Obter anabolizante é quase tão fácil quanto comprar aspirina. Em São Paulo, a Folha encontrou médicos que se especializaram em "tratar" jovens que sonham em engrossar os músculos da noite para o dia.
Apesar de os anabolizantes serem indicados exclusivamente para tratar problemas de saúde, os médicos os prescrevem para pessoas saudáveis. E além de provocarem danos sérios e irreversíveis, essas drogas chegam a ser receitadas sem nenhum tipo de exame.
Apresentando-se como um paciente que desejava ganhar músculos para o verão, o repórter se consultou com cinco médicos. Três disseram que os anabolizantes seriam o único remédio e não alertaram para os riscos nem deram a receita.
Outro médico prometeu prescrever a droga na consulta seguinte, depois que o repórter buscasse um nutricionista. E o último deu a entender que faria o mesmo, mas impôs que o repórter frequentasse a academia nos sete dias da semana.
A Folha chegou aos cinco médicos por indicação de professores de musculação e de fóruns na internet. Três deles trabalham em clínicas de estética (em Moema, no Paraíso e nos Jardins). Os outros dois atendem em consultórios (em Higienópolis e no Ibirapuera).
Em quase todas as salas de espera, os pacientes são jovens de peito estufado e braços inflados. Eles desembolsam de R$ 150 a R$ 350 pela consulta.
Embora os anabolizantes sejam achados no mercado negro (em academias e na internet), esses jovens preferem o médico porque acreditam que, dessa forma, as drogas deixam de ser perigosas. Pura ilusão.
"Os anabólicos não devem ser usados de forma nenhuma. Nunca. Nem com fins estéticos nem para melhorar o desempenho no esporte", diz Eduardo De Rose, especialista em medicina do esporte e membro da Agência Mundial Antidoping.
Os anabolizantes são derivados da testosterona, hormônio natural ligado ao desenvolvimento das características sexuais masculinas e ao crescimento dos músculos. Foram criados nos anos 1930 para tratar homens que não produzem testosterona suficiente.
Hoje, eles são indicados também para pessoas com doenças neurológicas que afetam os músculos, idosos que precisam de reposição de testosterona e pessoas que sofrem certos tipos de anemia. Não é indicado para pessoas saudáveis.
Para ganhar músculos, jovens usam essas drogas em doses cem vezes superiores às indicadas para tratar problemas de saúde. A lista de efeitos colaterais é extensa. Vai da queda de cabelo ao ataque de coração. De ataques de agressividade ao câncer de fígado.
"Quanto maior a dose, maior o risco. Mas há pessoas que tomam pequenas doses e têm problemas. Essas substâncias são coisas sérias. Não podem ser vendidas sem indicação segura", diz a médica Ruth Clapauch, do departamento de andrologia da Sociedade Brasileira de Endocrinologia.
Por isso, anabolizantes só podem ser vendidos com receita médica. E a prescrição fica retida na farmácia. Quem dá ou vende o produto sem a devida receita comete crime de tráfico de drogas.
Outro risco é o vício. Quando a pessoa suspende o uso do anabolizante, os músculos desincham. Como esse "retrocesso" não costuma ser bem aceito, são grandes as chances de que a pessoa volte a usá-lo várias vezes ao longo da vida.
"Isso é muito preocupante", diz Daniel Paulino Venâncio, professor de educação física da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). "O padrão de beleza é ditado pela TV, mas nem todos podem atingi-lo."
Para especialistas, a única receita segura para ganhar músculos inclui exercitar-se e alimentar-se corretamente e descansar bem. A ajuda de médicos, nutricionistas e profissionais de educação física também é recomendada.


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