São Paulo, sábado, 10 de janeiro de 2009

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Selecionado, bebê nasce sem gene que gera câncer de mama

Tecnologia que analisa embrião após fertilização in vitro detecta anomalia que acarreta risco de até 80% de tumor

Uso da técnica, aplicada em 130 doenças, é polêmico porque a mutação significa apenas probabilidade de o tumor vir a ocorrer no futuro

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Médicos britânicos anunciaram ontem o nascimento de uma menina selecionada para não ter um gene relacionado ao câncer de mama e de ovário (BRCA 1), que pode acarretar um risco de até 80% do desenvolvimento do tumor. Equipes médicas de outros dois países -Bélgica e Austrália- já relataram o mesmo feito em periódicos científicos.
A mãe da menina, de 27 anos, decidiu recorrer à escolha genética porque três gerações de mulheres de sua família -entre elas sua avó, mãe, irmã e uma prima- tiveram o tumor diagnosticado. O marido também é portador do gene.
A técnica é chamada de diagnóstico pré-implantacional (PGD), muito utilizada em tratamentos de fertilização in vitro, inclusive no Brasil, para o diagnóstico de 130 doenças genéticas e cromossômicas, entre elas a fibrose cística e a distrofia muscular progressiva.
Não há registro de que o teste já tenha sido usado no Brasil para o diagnóstico do gene BRCA 1, mas essa utilização é polêmica porque a presença dessa mutação no embrião representa apenas uma probabilidade do desenvolvimento do tumor de mama ou de ovário -diferente dos outros casos em que a doença herdada vai se manifestar com certeza.
Apenas 10% dos cânceres de mama são de origem hereditária -o restante está ligado a fatores ambientais. Os genes BRCA 1 e BRCA 2 (que também pode ser detectado no teste) estão relacionados a um terço desses tumores -outros genes são mais raros.
"O teste feito no embrião não livra a menina de vir a ter câncer de mama ou de ovário. Ela simplesmente passa a ter o mesmo risco que qualquer mulher da população", afirma o geneticista Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica.
Segundo Raskin, o uso do teste genético para câncer também suscita outro questionamento: seria ético descartar um embrião apenas pela predisposição de um dia ter um câncer? "Em média 30% das pessoas com essa mutação genética serão indivíduos saudáveis."
O ginecologista Arnaldo Cambiaghi, especialista em reprodução assistida, levanta outra questão. "Será que daqui a 30 anos esses embriões que carregam o gene [BRCA 1] não poderão ser tratados em vez de, antemão, tirar-lhes a possibilidade de viver?"
Hoje, mulheres com essa mutação são monitoradas pelos médicos e, entre as alternativas, está a mastectomia (retirada das mamas) preventiva.
Não há legislação no Brasil que regulamente em que casos os testes genéticos podem ser aplicados na reprodução assistida. Uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), que trata da área da fertilização in vitro, considera éticas intervenções que tenham como finalidade avaliar a viabilidade do embrião ou detectar doenças hereditárias. Nas clínicas de reprodução assistida, o custo do PGD é em torno de R$ 1.500 por cada embrião analisado.
"Se a ciência permite esse avanço, de fazer o diagnóstico de doenças incompatíveis com a vida ou de doenças graves que causam sofrimento ou diminuição de sobrevida, não há razão para não fazer uso dela", avalia o médico Reinaldo Ayer de Oliveira, do comitê de bioética do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo).
Na sua opinião, ainda que o teste genético só vá beneficiar um terço dos portadores de câncer de mama hereditário e também pode levar ao descarte embriões que não desenvolverão a doença, sua utilização é válida, caso seja essa a vontade do casal.
O ginecologista Thomaz Gollop, professor livre-docente em genética humana pela USP, também concorda com essa tese. "Cada pessoa sabe o que vai levar nas costas. Ninguém gostaria de ver uma filha fazendo mastectomia ou retirando os ovários aos 30 anos de idade."
Segundo Gollop, como no processo de reprodução assistida são produzidos vários embriões, a escolha de um ou mais que não carregam genes com mutações acaba sendo a melhor opção para o casal.

Legado
Em entrevista à rede britânica BBC, o especialista em fertilidade Paul Serhal, diretor da unidade de reprodução assistida do hospital University College, que acompanhou a seleção dos embriões e a gravidez da mulher britânica, disse que o grande legado do nascimento "é a erradicação da transmissão dessa forma de câncer, que fez essa família sofrer por gerações". A identidade dos pais da criança não foi divulgada.
Cerca de mil bebês nasceram até agora no mundo após passarem -enquanto embriões- por esse método de seleção genética para a detecção de outras doenças, como a fibrose cística, a doença de Huntington e a Síndrome do X Frágil.
Esse tipo de procedimento está proibido na Alemanha, Áustria, Itália e Suíça. É autorizado nos EUA, na Bélgica, Dinamarca, Espanha e no Reino Unido. Na França é permitido apenas para detectar uma doença genética incurável, como a miopatia ou a mucoviscidose. Em 2006, o Reino Unido ampliou a possibilidade de recorrer ao diagnóstico, acrescentando a mutação genética BRCA 1.

Com agências internacionais


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