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Selecionado, bebê nasce sem gene que gera câncer de mama
Tecnologia que analisa embrião após fertilização in vitro detecta anomalia que acarreta risco de até 80% de tumor
Uso da técnica, aplicada em 130 doenças, é polêmico porque a mutação significa
apenas probabilidade de o
tumor vir a ocorrer no futuro
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Médicos britânicos anunciaram ontem o nascimento de
uma menina selecionada para
não ter um gene relacionado ao
câncer de mama e de ovário
(BRCA 1), que pode acarretar
um risco de até 80% do desenvolvimento do tumor. Equipes
médicas de outros dois países
-Bélgica e Austrália- já relataram o mesmo feito em periódicos científicos.
A mãe da menina, de 27 anos,
decidiu recorrer à escolha genética porque três gerações de
mulheres de sua família -entre
elas sua avó, mãe, irmã e uma
prima- tiveram o tumor diagnosticado. O marido também é
portador do gene.
A técnica é chamada de diagnóstico pré-implantacional
(PGD), muito utilizada em tratamentos de fertilização in vitro, inclusive no Brasil, para o
diagnóstico de 130 doenças genéticas e cromossômicas, entre
elas a fibrose cística e a distrofia muscular progressiva.
Não há registro de que o teste
já tenha sido usado no Brasil
para o diagnóstico do gene
BRCA 1, mas essa utilização é
polêmica porque a presença
dessa mutação no embrião representa apenas uma probabilidade do desenvolvimento do
tumor de mama ou de ovário
-diferente dos outros casos em
que a doença herdada vai se
manifestar com certeza.
Apenas 10% dos cânceres de
mama são de origem hereditária -o restante está ligado a fatores ambientais. Os genes
BRCA 1 e BRCA 2 (que também
pode ser detectado no teste) estão relacionados a um terço
desses tumores -outros genes
são mais raros.
"O teste feito no embrião não
livra a menina de vir a ter câncer de mama ou de ovário. Ela
simplesmente passa a ter o
mesmo risco que qualquer mulher da população", afirma o geneticista Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira
de Genética Médica.
Segundo Raskin, o uso do teste genético para câncer também suscita outro questionamento: seria ético descartar um
embrião apenas pela predisposição de um dia ter um câncer?
"Em média 30% das pessoas
com essa mutação genética serão indivíduos saudáveis."
O ginecologista Arnaldo
Cambiaghi, especialista em reprodução assistida, levanta outra questão. "Será que daqui a
30 anos esses embriões que
carregam o gene [BRCA 1] não
poderão ser tratados em vez de,
antemão, tirar-lhes a possibilidade de viver?"
Hoje, mulheres com essa
mutação são monitoradas pelos médicos e, entre as alternativas, está a mastectomia (retirada das mamas) preventiva.
Não há legislação no Brasil
que regulamente em que casos
os testes genéticos podem ser
aplicados na reprodução assistida. Uma resolução do CFM
(Conselho Federal de Medicina), que trata da área da fertilização in vitro, considera éticas
intervenções que tenham como
finalidade avaliar a viabilidade
do embrião ou detectar doenças hereditárias. Nas clínicas de
reprodução assistida, o custo
do PGD é em torno de R$ 1.500
por cada embrião analisado.
"Se a ciência permite esse
avanço, de fazer o diagnóstico
de doenças incompatíveis com
a vida ou de doenças graves que
causam sofrimento ou diminuição de sobrevida, não há razão para não fazer uso dela",
avalia o médico Reinaldo Ayer
de Oliveira, do comitê de bioética do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo).
Na sua opinião, ainda que o
teste genético só vá beneficiar
um terço dos portadores de
câncer de mama hereditário e
também pode levar ao descarte
embriões que não desenvolverão a doença, sua utilização é
válida, caso seja essa a vontade
do casal.
O ginecologista Thomaz Gollop, professor livre-docente
em genética humana pela USP,
também concorda com essa tese. "Cada pessoa sabe o que vai
levar nas costas. Ninguém gostaria de ver uma filha fazendo
mastectomia ou retirando os
ovários aos 30 anos de idade."
Segundo Gollop, como no
processo de reprodução assistida são produzidos vários embriões, a escolha de um ou mais
que não carregam genes com
mutações acaba sendo a melhor opção para o casal.
Legado
Em entrevista à rede britânica BBC, o especialista em fertilidade Paul Serhal, diretor da
unidade de reprodução assistida do hospital University College, que acompanhou a seleção
dos embriões e a gravidez da
mulher britânica, disse que o
grande legado do nascimento
"é a erradicação da transmissão
dessa forma de câncer, que fez
essa família sofrer por gerações". A identidade dos pais da
criança não foi divulgada.
Cerca de mil bebês nasceram
até agora no mundo após passarem -enquanto embriões-
por esse método de seleção genética para a detecção de outras doenças, como a fibrose
cística, a doença de Huntington
e a Síndrome do X Frágil.
Esse tipo de procedimento
está proibido na Alemanha,
Áustria, Itália e Suíça. É autorizado nos EUA, na Bélgica, Dinamarca, Espanha e no Reino
Unido. Na França é permitido
apenas para detectar uma
doença genética incurável, como a miopatia ou a mucoviscidose. Em 2006, o Reino Unido
ampliou a possibilidade de recorrer ao diagnóstico, acrescentando a mutação genética
BRCA 1.
Com agências internacionais
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