São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 2011

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'Mais cuidado não significa melhor cuidado', diz médica

DE WASHINGTON

Coautora do livro "The Treatment Trap" (a armadilha do tratamento, em uma tradução literal), a escritora Rosemary Gibson, também especialista em políticas e economia da saúde, afirma que "mais cuidado não significa necessariamente o melhor cuidado."
Gibson alerta ainda para os procedimentos desnecessários que podem fazer mais mal do que bem aos pacientes, como as tomografias computadorizadas e as cirurgias de coluna. A seguir, trechos da entrevista que concedeu à Folha.
 

Folha - Qual é a linha que separa um tratamento apropriado de outro inapropriado?
Rosemary Gibson -
Um cuidado apropriado é baseado em claras evidências científicas, vindas de pesquisas independentes, e vai beneficiar o paciente. Um tratamento inapropriado não tem esse amparo.
Há muitas incertezas na medicina e médicos podem, legitimamente, discordar se o tratamento fará ou não bem ao seu paciente. Mas precisam sim começar a reduzir o excesso de exames, procedimentos e de cirurgias desnecessárias.
Um bom exemplo aqui nos EUA é o uso abusivo de tomografias computadorizadas, que aumentam o risco de a pessoa desenvolver câncer por conta da radiação. Há uma estimativa de 14,5 mil pessoas morrem todos os anos por exposição a radiação desses aparelhos. Esta é uma área para se começar.

Como prevenir isso numa cultura em que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com a saúde e querem tudo o que estiver ao seu alcance?
Para prevenir ou cortar esse excesso de tratamentos, nós devemos jogar luz sobre os perigos. O problema não será solucionando se não falarmos sobre ele. Nós precisamos colocar faces humanas nisso, contar histórias reais de pessoas que ficaram piores, e não que melhores, com o mau uso da medicina.

No Brasil, embora também haja excesso de procedimentos desnecessários, também se enfrenta o oposto. Pessoas esperando em filas intermináveis para conseguir tratamento. Como administrar esses dois mundos?
O mesmo fenômeno ocorre nos EUA. Por um lado, temos pessoas que são submetidas a cirurgias na coluna que a literatura médica tem demonstrado que não trazem benefício e expõem as pessoas a um real perigo. É uma loucura que a sociedade pague por um sistema que causa um dano desse tipo ao paciente.
Por outro lado, há pessoas que não recebem o cuidado que realmente precisam, como tratamentos de câncer. A solução para isso é parar de pagar tratamentos que vão deixar as pessoas piores, e não melhores. O Medicare (programa nacional que cobre tratamento para pessoas idosas) fez isso para certas cirurgias de pulmão. Esta é uma boa política pública.

Quais lições que o governo e os pacientes brasileiros devem aprender com a situação atual do sistema público americano?
Primeira: propaganda de remédio e de aparelhos em saúde jamais deve ser permitida na TV e nas mídias.
Segunda: médicos devem ter salários e não ser pagos na base de remuneração por serviço (fee-for-service). Desse forma, ele ganha mais fazendo mais cirurgias, testes e procedimentos.
Terceira: cuidados primários devem ser a base de qualquer sistema de saúde. Eles ajudam a prevenir doenças e mantêm as pessoas mais saudáveis. Isso se traduz em economia. Nos EUA, é difícil encontrar um clínico geral porque muitos se tornaram especialistas.


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