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ENTREVISTA
CRISTIANO NABUCO
Até os joguinhos mais populares da internet provocam dependência
A famosa "fazendinha" da rede social Facebook vicia mais que sites
pornográficos, diz psicólogo especializado em tratar adictos de computador
HÁ TRÊS ANOS, o psicólogo Cristiano Nabuco atende viciados em internet, no
Hospital das Clínicas de SP. "Achávamos
que sexo lideraria os problemas, mas as
redes de relacionamento são responsáveis pela maioria das dependências", diz. Uma das novas "drogas" é o
"Farmville", aplicativo mais popular do site social Facebook, com quase 90 milhões de usuários no mundo
e mais de 1 milhão de fazendeiros virtuais no Brasil.
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Parecem inofensivos. Mas
esses novos jogos reúnem todas
as características favoráveis à
dependência: aumentam a autoestima, propiciam uma ascensão rápida (ainda que virtual), tornam-se mais difíceis
nas fases seguintes.
Dessa forma, alerta o psicólogo, exercem mecanismos semelhantes aos de vícios em outros tipos de entretenimento: o
usuário busca esse mundo para
fugir dos problemas e simular
uma vida social bem-sucedida.
"No tratamento, buscamos
fazer um paralelo com o paciente para mostrar o quanto a
internet não é uma opção, mas
uma rota de escape de uma vida
empobrecida", diz Nabuco.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha.
FOLHA - Que riscos os jogos virtuais
trazem?
CRISTIANO NABUCO - Quando
analisamos seus efeitos negativos, a primeira coisa que vem à
mente são os de combate. Eles
favorecem a ascensão rápida
nas fases iniciais para mexer
com o ego do jogador e, depois,
exibem dificuldades. Um dos
poucos estudos sobre o assunto
mostrou que, após dez minutos
de jogo, há liberação de dopamina, neurotransmissor que
motiva e aumenta a atenção.
FOLHA - Esses mecanismos também são encontrados nos jogos do
Facebook e do Orkut?
NABUCO - Nos jogos mais recentes, como o "Farmville", há
uma mescla de rede social com
a perspectiva de poder administrar sua "propriedade". Ainda não temos fundamentos para explicar quais mudanças
bioquímicas ocorrem. Mas, diferentemente de destruir, você
passa a dividir, doar, construir.
É como se a sua generosidade
fosse praticada virtualmente.
FOLHA - Mas isso não seria bom?
NABUCO - A princípio, esses jogos seriam inofensivos. Mas veja este exemplo: atendi uma senhora de 52 anos que não tinha
disposição para sair e estava
com problemas de desempenho no trabalho. Parecia depressão até que, no quinto encontro, ela me contou que se
cansava por causa dos horários
em que ficava na internet. "Tenho uma fazenda, doutor. Quer
ver no seu computador? Tenho
de acordar às 4h da manhã para
colher os morangos, senão eles
estragam." Parecia uma menina mostrando sua Barbie nova!
Tinha a fazenda mais bonita da
comunidade virtual e não poderia correr o risco de perder
esse "título".
FOLHA - Onde esses diferentes tipos de jogos se encontram no que
diz respeito à dependência?
NABUCO - Todos promovem o
aumento da autoestima. Para
pessoas com depressão, fobia
social ou um problema psicológico pontual, a perspectiva de
"controlar" um ambiente se
torna uma porta de fuga de realidades mal vividas. Essa paciente descrevia uma qualidade
de vida muito ruim e tinha uma
vida virtual muito boa.
FOLHA - Como ocorre essa promoção da autoestima?
NABUCO - Ela é construída sobre dois pilares: capacidade de
controlar a frustração e de mudar o que está em seu entorno.
Imagine um obeso que não
consegue tolerar a frustração
de ser gordo nem dizer aos colegas "não gosto disso" quando
sofre uma brincadeira de mau
gosto. Na internet, é só deletar
quem os atinge. Lá, ele é o que
não consegue ser de fato.
FOLHA - O "Farmville" e outros jogos complementam essa estrutura?
NABUCO - Dão chances de o indivíduo realizar sonhos muito
rapidamente, desejos e fantasias que não conseguiria de outra forma. E, de quebra, gera a
expectativa de ser admirado.
FOLHA - Esse bem-estar persiste
por muito tempo?
NABUCO - Quem joga por horas
seguidas se sente melhor, mas
isso é pouco consistente, porque sabe que o sucesso está restrito à vida virtual.
FOLHA - O Brasil figura entre os
maiores usuários das redes de relacionamento. Esses fatores teriam alguma relação?
NABUCO - Talvez você consiga
igualar as pessoas por meio da
internet, o que tem impacto
por aqui. O menino da periferia
pode ser ouvido em seu jogo da
mesma forma que alguém em
melhor posição social.
FOLHA - As redes sociais também
são agentes da dependência?
NABUCO - Ninguém chega no
meio de uma sala e diz "Pessoal,
saí com fulano", porque é ridículo, mas muitos publicam isso
em sites de relacionamento para milhões lerem. Para que você
seja legitimado entre os demais, tem de ter sua página virtual. As pessoas estão viciadas
em se relacionar pela internet.
As redes dão um grau de satisfação e aceitabilidade que elas
não teriam no mundo real.
FOLHA - O dependente é sempre
mal resolvido com a vida?
NABUCO - Os profundamente
dependentes perdem a habilidade de manejar o tempo que
passam na vida virtual. Em
99% dos dependentes, há depressão, fobia social ou transtorno bipolar. Geralmente, há
questões mal trabalhadas, como problemas familiares.
FOLHA - Mas, então, essa dependência é sintoma de outra doença?
NABUCO - Acreditou-se nisso
por muito tempo. Mas observamos hoje comportamentos
nesses pacientes que levam ao
diagnóstico de dependência.
FOLHA - Quais são esses critérios?
NABUCO - Falar só de Orkut e
de jogo, ter noção de que faz uso
excessivo, mas não conseguir
reduzir o tempo, apresentar
depressão ou ansiedade, tender
a mentir sobre uso abusivo, sofrer impacto na vida profissional e social e ter oscilações de
humor se não acessa a internet.
FOLHA - Muitos correm o risco de
perder a noção do real e do virtual?
NABUCO - O jovem não dá o telefone na balada, passa o MSN.
Não liga, manda torpedo. Até a
comunicação sofre interferências do mundo virtual. Quanto
mais eu fico na internet, mais
ocupo meu cérebro com essa
vida virtual. Ele perde momentaneamente a habilidade de
discernir o que é virtual do que
é realidade.
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