São Paulo, domingo, 13 de junho de 2010 |
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Sem as duas pernas, o triatleta "casca-grossa" coleciona títulos
Pauê tornou-se o 1º surfista biamputado do mundo depois de ser atropelado por locomotiva
ALEXANDRE NOBESCHI DE SÃO PAULO Pauê teve de engatinhar aos 18 anos, quando se arrastou para sair debaixo de uma locomotiva com os faróis apagados que o atropelou em uma ferrovia desativada de São Vicente (litoral de SP). Andar mesmo, Paulo Eduardo Chieffi Aagaard, o Pauê, só conseguiu meses depois, com as próteses que fizeram as vezes de suas pernas, esmagadas no acidente que ocorreu há dez anos. Um ciclista foi o primeiro a vê-lo. O maquinista parou, mas não desceu, com medo das pessoas que se aglomeravam para saber o que havia acontecido. Entre o momento em que foi atingido até chegar ao hospital, Pauê não sentiu dor. Só na sala de cirurgia ele foi avisado sobre o que havia ocorrido. "O médico me disse: Rapaz, você perdeu parte das duas pernas e será operado. Quando acordar, viver sem elas será a sua realidade", conta. Ao saber que sobreviveria, Pauê só pensava em uma coisa: voltar a surfar, esporte que praticava desde os nove anos e que, naquele instante, servia de metáfora para as coisas que ele desejava continuar desfrutando. NA ÁGUA Foram dois meses de internação. Já fora da UTI, sofreu três paradas cardíacas devido a um choque anafilático. "Aquilo não me desanimou. Algo me dizia que eu poderia seguir em frente." Em meados de agosto, deixou o centro hospitalar e começou a reabilitação. Passou a fazer musculação para recuperar o peso perdido e depois voltou para a natação. Pauê sentia-se frustrado por não conseguir nadar como antes. "Sem as pernas, era muito difícil avançar. Fazia um esforço enorme, mas progredia muito pouco." Seis meses depois de ser atropelado, o garoto completou sua primeira travessia aquática, superando 1.500 metros. "Meu corpo estava reagindo", conta. "Aquilo foi uma alavanca muito forte." Voltar a praticar esportes foi a maneira que Pauê encontrou para se adaptar à nova rotina. "Não sabia nem mesmo como seria o meu relacionamento com as pessoas. Passei a usar o esporte para me ajudar nisso." Para afastar os olhares de pena, sua arma era o entusiasmo. "Se não fosse assim, iria me esconder do mundo." O acidente também não mudou sua maneira de encarar a sexualidade. "Acredite se quiser, o fato de ter perdido parte das pernas impulsionou [a vida sexual]". Os planos que decidiu traçar para se reerguer estavam progredindo. Poder voltar a surfar era um deles. Se antes era apenas mais um surfista entre tantos na Baixada Santista, sem as pernas, tornou-se o único. Tornou-se o primeiro surfista biamputado do mundo, um legítimo "casca-grossa", expressão dos surfistas para aqueles que se destacam em uma situação difícil. POLIVALENTE Pauê costuma repetir que o esporte o catapultou para um mundo novo. Depois do surfe, ele conheceu o triatlo, esporte que reúne natação, ciclismo e corrida. Esses desafios diminuíam suas frustrações e amplificavam suas expectativas. "Quando me vi capaz daquilo, me vi capaz de tudo." Enquanto fazia o curso de fisioterapia, Pauê intensificou os treinos e começou a participar de competições de triatlo. Em 2002, fez a primeira prova. No início, o objetivo era só completar a prova. Então passou a competir, vencendo campeonatos e se destacando no cenário mundial. "Passei a fase de apenas tentar mostrar que era capaz de fazer aquilo e me tornei um atleta profissional." Desde 2002, Pauê já foi campeão mundial de triatlo (2002), bronze no Pan-Americano (2003), pentacampeão brasileiro (de 2002 a 2006), tetracampeão internacional (2002, 2003, 2006 e 2007). Entre os treinos, divididos em dois turnos (manhã e noite), ainda dá palestras motivacionais em empresas. Aos 28 anos, não sabe dizer se seria mais feliz com as pernas. "Olho para trás e vejo o quanto eu aprendi." "Eu vivi mais em pouco tempo. Tudo isso me trouxe maturidade, discernimento e evolução espiritual." Folha.com Veja galeria de fotos em folha.com.br/1016211 Próximo Texto: Frase Índice |
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