São Paulo, domingo, 14 de junho de 2009

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HISTÓRIA

2.920 noites sem dormir

A dona de casa Vera Therezinha Fabiano Siqueira, 73, passou oito anos sem conseguir dormir direito até ter o diagnóstico e conseguir tratar a síndrome das pernas inquietas

Marisa Cauduro/Folha Imagem
A artesã aposentada, que agora tem os sintomas da doença sob controle


RACHEL BOTELHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Durante oito anos, a artesã aposentada e dona de casa Vera Therezinha Fabiano Siqueira, 73, não conseguia encontrar uma posição confortável para dormir. Bastava ir para a cama para que um incômodo crescente tomasse conta de suas pernas a ponto de impedi-la de continuar deitada.
Seu primeiro impulso era levantar e molhar a pele com água fria para buscar algum alívio -que não vinha. Daí em diante, passava horas em um ritual que consistia em andar pela casa, deitar de novo, esfregar um pouco de álcool no local, fazer massagens...
Acabava dormindo de exaustão, mas nem assim se livrava do problema. Por volta das 2h30 da manhã, o incômodo a despertava, e ela só conseguia dormir na noite seguinte, após mais uma batalha perdida.
A falta de descanso não demorou a interferir em suas atividades de rotina, como os cuidados com o filho e com a casa. "Meu dia era horrível, não tinha ânimo para nada. Não tinha paciência com meu filho, que tem síndrome de Down, nem com meu marido. Não conseguia me controlar porque não dormia direito", conta.
A determinada altura, quando a situação havia se agravado de tal forma que Vera decidiu mudar de quarto para poupar o marido dos chutes involuntários e do deita-levanta incessante, ela assistiu pela televisão a uma entrevista que abordava os mesmos sintomas que atrapalhavam suas noites de sono.
O médico Ademir Baptista Silva falava sobre a síndrome das pernas inquietas, da qual até então ela jamais ouvira falar. Vera reconheceu a doença imediatamente como a causa de sua insônia.
"Quando ele começou a contar do movimento das pernas, dos sintomas, de como a pessoa vai perdendo a qualidade de vida, comecei a chorar porque eu poderia finalmente fazer um tratamento. Tudo o que ele descrevia se parecia muito com o meu caso", recorda-se ela.
De acordo com a psicóloga Luciane Carvalho, coordenadora do ambulatório Neuro-Sono da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), a síndrome das pernas inquietas é uma das principais causas de insônia e atinge de 7% a 8% da população -mais do que o dobro da epilepsia. E estima-se que o problema atinja 10% das pessoas com mais de 65 anos.
"Trata-se de uma desordem que tem impacto grande no sono porque a pessoa sente uma espécie de coceira dentro dos ossos, uma sensação angustiante que só melhora enquanto ela está em movimento", diz.
Para agravar a situação, a sensação está ligada ao ritmo circadiano, ou seja, piora à noite, quando o paciente senta-se para descansar ou vai dormir. É uma doença crônica que se acirra com a idade e atinge o pico por volta dos 50 anos.
O diagnóstico é clínico e esbarra no desconhecimento dos profissionais em relação à doença. "Os pacientes sofrem muito nas mãos de vários médicos. Alguns demoraram 20 anos para serem diagnosticados", afirma a psicóloga.
Diabética, Vera chegou a tomar um remédio receitado por sua médica para melhorar a circulação -que, naturalmente, não teve efeito nos sintomas.
Segundo o neurologista Gilmar Fernandes do Prado, chefe do Neuro-Sono da Unifesp, o simples fato de saber que tem a síndrome já traz alívio para o paciente. "Ele melhora muito porque sabe que achavam que ele tinha algum problema mental ou psicológico. A família não entende que se trata de uma doença, pensa que é coisa da cabeça da pessoa", diz.

Doença sob controle
Uma semana depois de ouvir a entrevista decisiva na TV, Vera iniciou o tratamento na Unifesp. "Foi um milagre, uma luz que resolveu todos os meus problemas. Eu tinha perdido o sentido da vida", reclama. Em poucos dias, a medicação fez efeito e os sintomas desapareceram por completo.
Hoje, Vera pratica exercícios de alongamento em casa, que ajudam a manter o problema sob controle, e ensina a técnica para os idosos de um grupo que ajudou a criar. "É bom para a insônia e para ansiedade porque é relaxante, é um exercício de fisioterapia. Faz bem para qualquer coisa", acredita.
A rotina da dona de casa inclui ainda trabalho voluntário em um posto de saúde de Atibaia (SP), onde mora.
A síndrome continua presente em sua vida. Em uma turma de 400 artesãos da qual já fez parte, encontrou seis pessoas com o problema.
Há oito meses, o filho caçula, Daniel, 34, que mora com ela e o marido, começou a apresentar os mesmos sintomas. "Mas ele foi para a consulta com o diagnóstico pronto e já está melhorando", conta, satisfeita.


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