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Clínico diagnostica apenas 47% dos casos de depressão
Revisão de 41 pesquisas publicada no "Lancet" mostra ainda que há falso diagnóstico em cerca de 20% dos casos
Estima-se que, no Brasil, cerca de 12% dos homens e 20% das mulheres terão algum nível de depressão em alguma fase da vida
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma meta-análise de 41 estudos de dez países (envolvendo
mais de 50 mil pacientes) mostra que somente 47% dos casos
de depressão são diagnosticados no atendimento primário
(durante uma consulta com um
clínico-geral, por exemplo) e
que há falso diagnóstico da
doença em 20% dos casos.
O estudo, publicado na edição on-line do "Lancet", avaliou trabalhos desenvolvidos
em países europeus, além de
nos EUA, no Canadá e na Austrália. "Essa questão [do diagnóstico] tem gerado um debate
duplo. Existem afirmações de
que a depressão é subdiagnosticada, e há a posição contrária
-segundo a qual a depressão é
exageradamente diagnosticada
pelo fato de os pacientes tenderem a se identificar como deprimidos e os clínicos do atendimento primário aceitarem isso", afirma o psiquiatra Marco
Antônio Brasil, integrante do
conselho consultivo da Associação Brasileira de Psiquiatria.
O número de afetados pela
depressão no Brasil segue dados mundiais: 12% dos homens
e 20% das mulheres terão a
doença em alguma fase da vida.
Em geral, nos serviços de atenção primária a incidência de
depressão varia de 10% a 15%
dos pacientes avaliados. "É
uma taxa muito elevada, um
problema de saúde pública. Em
ambulatórios de cardiologia, os
índices sobem para 20%", diz o
psiquiatra Renério Fráguas Júnior, supervisor do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
O falso diagnóstico pode
ocorrer quando o paciente
apresenta sintomas facilmente
confundíveis com depressão
-caso de uma tristeza profunda por uma perda importante
ou estresse. Isso pode levar a
tratamentos desnecessários.
"Quando há treinamento,
pode ocorrer excesso de diagnóstico. Mas mesmo pacientes
[sem a doença] com alguns sintomas depressivos podem ter a
qualidade de vida comprometida, com mais dificuldade para
tomar decisões ou para se concentrar, por exemplo. Isso não
quer dizer que tenham de tomar remédio, mas que eles precisam ser cuidados de alguma
forma", pondera o psiquiatra.
Subdiagnóstico
No entanto, de acordo com os
especialistas, o subdiagnóstico
é muito recorrente e mais preocupante. Para Geraldo Possendoro, psiquiatra e professor de
medicina comportamental da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo), a sobrecarga do
serviço público também contribui para dificultar o diagnóstico precoce. "A consulta costuma ser muito rápida, o que faz
com que o clínico foque somente na área dele", diz.
Segundo Brasil, é necessária
a formação dos médicos generalistas para que o diagnóstico
de depressão seja feito mais
precocemente. "O deprimido
não procura um psiquiatra, até
por preconceito. Ele vai ao clínico, ao neurologista..."
O suporte de um psiquiatra
no atendimento primário pode
ser necessário para que os clínicos aprendam a identificar sintomas de depressão. No entanto, a formação somente teórica
não é suficiente para capacitar
os médicos generalistas. "Além
disso, é preciso dar supervisão,
discutir os casos reais desses
pacientes. É preciso um psiquiatra para discutir casos de
dúvida", acrescenta Brasil.
Sintomas
A maior dificuldade do clínico-geral é associar sinais que
podem ser creditados a outras
doenças -como dores, cansaço, falta de ar e de energia- a
uma possível depressão.
Um estudo realizado com 316
pacientes e 19 clínicos-gerais
do Hospital das Clínicas de São
Paulo e publicado em julho na
revista "Clinics" (periódico da
instituição) mostrou que lentidão, cansaço e falta de concentração são os sintomas de depressão mais difíceis de serem
identificados pelo clínico durante o atendimento.
"No HC, procuramos dar
uma formação, mas, diante da
elevada prevalência de depressão em atenção primária, acho
que o aluno de medicina deveria ter carga horária suficiente
na faculdade para ser treinado
em diagnosticar transtorno
psiquiátricos", sugere Fráguas.
Outro sintoma importante e
pouco associado à doença, diz o
psiquiatra, é a falta de interesse
pela vida. "É um sintoma essencial. Dados gerais mostram
que 40% das pessoas que têm
depressão e perderam interesse passaram por um clínico no
último mês. Ou seja, quem tem
depressão procura o médico,
que deve perguntar como anda
o prazer pela vida. O paciente
nem sempre está triste quando
está deprimido", explica.
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