|
Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
LAWRENCE SHULMAN
É preciso investir em educação sobre câncer
Tratamento deve estar disponível próximo à região do paciente para que ele possa procurar ajuda e chegar lá, diz oncologista
LÍDER DE um estudo global que testa uma
vacina para combater câncer de mama, o
oncologista Lawrence Shulman, um dos
principais pesquisadores sobre câncer de
mama nos Estados Unidos, afirma em entrevista exclusiva à Folha que o investimento em pesquisas para encontrar formas de levar mais educação sobre a
doença é mais importante do que trabalhos sobre
novas drogas e equipamentos.
Alexandre Brum- 5.out.09/Ag.ODia
|
|
Cristo Redentor iluminado durante campanha de conscientização sobre a importância da mamografia no combate ao câncer
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Chefe do departamento de
Oncologia do Dana-Farber
Cancer Institute e professor de
Harvard, Shulman esteve no
Brasil neste mês para um fórum estadual sobre políticas
em câncer de mama no Estado
de São Paulo, organizado pela
American Cancer Society.
O câncer de mama é o tumor
que mais mata mulheres no
Brasil, com 49.240 novos casos
estimados para este ano. Para o
especialista, o problema ainda
é falta de informação, de diagnóstico e de tratamentos eficazes e com acesso rápido. "Tenho interesse em pesquisa sobre drogas, mas não acho que
esse deva ser o principal foco
sobre câncer. É preciso entender antes como oferecer assistência básica contra a doença."
FOLHA - Por que a American Cancer
Society escolheu discutir câncer de
mama em São Paulo?
LAWRENCE SHULMAN - Se eu fosse
o seu ministro da Saúde, colocaria o câncer de mama em um
dos primeiros lugares de atenção. Nos EUA, 80% das mulheres diagnosticadas com câncer
de mama sobrevivem, o que
mostra que, com tratamento
apropriado, é uma doença que
pode ser curada na maioria dos
casos. No Brasil, são 40% as que
se curam. É preciso saber o que
ocorre com os outros 40%.
FOLHA - Qual foi seu foco de discussão com os médicos brasileiros?
SHULMAN - Falei sobre a importância de diagnosticar a doença
em estágio inicial, porque essa
é a maior chance de a paciente
ser curada. Existem ainda outros dois problemas críticos:
precisamos fazer com que as
mulheres participem do processo e ter um sistema de saúde
eficaz. Elas precisam saber o
que é a doença e que podem ser
curadas precocemente, a educação é muito importante. E
em vários lugares, incluindo alguns nos EUA, as mulheres não
entendem isso. O sistema de
saúde precisa funcionar para
diagnóstico e tratamento. Todas essas peças são necessárias
-sem alguma delas, haverá
problemas. Lidar com o câncer
não é tão simples como tratar
outras doenças, onde se prescreve um remédio e está ok.
FOLHA - Centralizar em um único
local todas as fases do tratamento
ajudaria? Uma portaria do Ministério da Saúde, de 2009, determinou
que todo hospital habilitado pelo
SUS para atender pacientes com
câncer ofereça tratamento integral.
SHULMAN - É importante ter
centros que englobem todas as
fases, mas, nos EUA, boa parte
acaba indo aos hospitais próximos. Não oferecer tratamento
próximo à região do paciente
pode fazer com que ele não o
procure ou não consiga chegar:
precisa de transporte, alguém
da família que o acompanhe,
passar um tempo fora de casa...
No Brasil, o problema ainda é
maior, porque o sistema de
transporte não é muito bom e
as distâncias podem ser facilmente muito grandes.
FOLHA - O Brasil possui bons centros especializados, mas poucos. O
acesso a toda população é difícil em
outros estabelecimentos públicos,
em alguns locais do país há mamógrafos em más condições de uso e
pouco treinamento dos profissionais de saúde. Como corrigir isso?
SHULMAN - Em locais com poucos recursos, eu concentraria
verbas não em mamografia, e
sim em trazer as mulheres ao
hospital e submetê-las ao exame de toque feito pelo médico.
Estudos antigos mostram que o
fato de as mulheres procurarem o médico melhorava as taxas de sobrevivência, em uma
época em que mamógrafos não
eram usados.
FOLHA - Mas a mamografia é uma
ferramenta importante, não?
SHULMAN - Sem dúvida, mas alguns estudos mostram que
nem sempre a mulher busca a
mamografia quando está disponível por falta de informação.
Há o medo de que o câncer de
mama mate ou mutile. Por isso
a educação é tão importante.
FOLHA - Houve uma polêmica recente nos EUA sobre as diretrizes
que indicam a idade ideal para o rastreamento de câncer de mama. Um
grupo de pesquisadores do governo
americano indicou o início a partir
dos 50 anos, com exames bienais. O
que o sr. acha disso?
SHULMAN - Para mim, a recomendação é começar a mamografia aos 40 anos, anualmente,
e estou muito seguro disso. Os
estudos que mostram tratamento e diagnóstico em excesso apresentam problemas. Eu
vejo o que ocorre com mulheres com câncer de mama já espalhado e qualquer coisa que
você possa fazer para diagnosticar a doença em estágio inicial
deve ser feita. Se o problema é
custo, diagnosticar precocemente uma mulher mais nova
salva mais anos de produção
-esse é o maior impacto do
ponto de vista econômico.
FOLHA - E a radioterapia? É essencial em todos os casos? No Brasil,
mais de 80 mil pessoas com diagnóstico de câncer estão em filas de
espera pelo procedimento, chegando a aguardar seis meses.
SHULMAN - Esse ponto é muito
importante. Existem vários
trabalhos provando que o atraso no início do tratamento ou
sua interrupção podem prejudicar a evolução do paciente.
Isso é uma questão de ter a estrutura, pois a radio é um tratamento complicado e caro, mas
é claro que pode ser feita, como
é feita em todo o mundo. Nos
EUA, dependendo da situação,
tentamos oferecer a cirurgia
em até duas semanas, no máximo três. E a radioterapia será
iniciada em uma questão de semanas, e não de meses.
FOLHA - Observa-se um aumento
de câncer de mama em mulheres
mais jovens. Por que isso ocorre?
SHULMAN - Não entendemos isso muito bem. O que sabemos é
que diferentes populações têm
câncer em idades diferentes e
diferentes tipos de câncer de
mama. Na América Latina, vemos que as mulheres manifestam o câncer mais cedo -cerca
de 15 anos antes- do que as
mulheres dos EUA, mas não sabemos se é uma questão ambiental, genética ou da dieta.
Nos EUA, as negras têm câncer
mais cedo, mas ainda não podemos explicar isso.
FOLHA - Um levantamento recente
mostrou que, no Brasil, o maior número de pesquisas ocorre na área de
oncologia. No entanto, muitos trabalhos são sobre novas drogas, como em outras partes do mundo. Se
informação e diagnóstico precoces
são mais importantes, não é paradoxal estudar drogas?
SHULMAN - Eu pesquiso vacinas
contra câncer de mama e sou
muito interessado nesse tipo
de estudo. Mas, realmente, o
foco não deve ser o desenvolvimento de drogas, e sim maneiras de promover diagnóstico
precoce e acesso a tratamento.
No entanto, é preciso tentar
salvar os outros 20% que ainda
morrem da doença. Em contrapartida, vejo em congressos
que o Brasil tem médicos de alta qualidade, preocupados em
entender como é possível levar
mais informação a outras partes do país, não ficam focados
em tecnologia.
Próximo Texto: Frases Índice
|