São Paulo, quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA

LAWRENCE SHULMAN


É preciso investir em educação sobre câncer

Tratamento deve estar disponível próximo à região do paciente para que ele possa procurar ajuda e chegar lá, diz oncologista

LÍDER DE um estudo global que testa uma vacina para combater câncer de mama, o oncologista Lawrence Shulman, um dos principais pesquisadores sobre câncer de mama nos Estados Unidos, afirma em entrevista exclusiva à Folha que o investimento em pesquisas para encontrar formas de levar mais educação sobre a doença é mais importante do que trabalhos sobre novas drogas e equipamentos.

Alexandre Brum- 5.out.09/Ag.ODia
Cristo Redentor iluminado durante campanha de conscientização sobre a importância da mamografia no combate ao câncer

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Chefe do departamento de Oncologia do Dana-Farber Cancer Institute e professor de Harvard, Shulman esteve no Brasil neste mês para um fórum estadual sobre políticas em câncer de mama no Estado de São Paulo, organizado pela American Cancer Society.
O câncer de mama é o tumor que mais mata mulheres no Brasil, com 49.240 novos casos estimados para este ano. Para o especialista, o problema ainda é falta de informação, de diagnóstico e de tratamentos eficazes e com acesso rápido. "Tenho interesse em pesquisa sobre drogas, mas não acho que esse deva ser o principal foco sobre câncer. É preciso entender antes como oferecer assistência básica contra a doença."

 

FOLHA - Por que a American Cancer Society escolheu discutir câncer de mama em São Paulo?
LAWRENCE SHULMAN
- Se eu fosse o seu ministro da Saúde, colocaria o câncer de mama em um dos primeiros lugares de atenção. Nos EUA, 80% das mulheres diagnosticadas com câncer de mama sobrevivem, o que mostra que, com tratamento apropriado, é uma doença que pode ser curada na maioria dos casos. No Brasil, são 40% as que se curam. É preciso saber o que ocorre com os outros 40%.

FOLHA - Qual foi seu foco de discussão com os médicos brasileiros?
SHULMAN
- Falei sobre a importância de diagnosticar a doença em estágio inicial, porque essa é a maior chance de a paciente ser curada. Existem ainda outros dois problemas críticos: precisamos fazer com que as mulheres participem do processo e ter um sistema de saúde eficaz. Elas precisam saber o que é a doença e que podem ser curadas precocemente, a educação é muito importante. E em vários lugares, incluindo alguns nos EUA, as mulheres não entendem isso. O sistema de saúde precisa funcionar para diagnóstico e tratamento. Todas essas peças são necessárias -sem alguma delas, haverá problemas. Lidar com o câncer não é tão simples como tratar outras doenças, onde se prescreve um remédio e está ok.

FOLHA - Centralizar em um único local todas as fases do tratamento ajudaria? Uma portaria do Ministério da Saúde, de 2009, determinou que todo hospital habilitado pelo SUS para atender pacientes com câncer ofereça tratamento integral.
SHULMAN
- É importante ter centros que englobem todas as fases, mas, nos EUA, boa parte acaba indo aos hospitais próximos. Não oferecer tratamento próximo à região do paciente pode fazer com que ele não o procure ou não consiga chegar: precisa de transporte, alguém da família que o acompanhe, passar um tempo fora de casa... No Brasil, o problema ainda é maior, porque o sistema de transporte não é muito bom e as distâncias podem ser facilmente muito grandes.

FOLHA - O Brasil possui bons centros especializados, mas poucos. O acesso a toda população é difícil em outros estabelecimentos públicos, em alguns locais do país há mamógrafos em más condições de uso e pouco treinamento dos profissionais de saúde. Como corrigir isso?
SHULMAN
- Em locais com poucos recursos, eu concentraria verbas não em mamografia, e sim em trazer as mulheres ao hospital e submetê-las ao exame de toque feito pelo médico. Estudos antigos mostram que o fato de as mulheres procurarem o médico melhorava as taxas de sobrevivência, em uma época em que mamógrafos não eram usados.

FOLHA - Mas a mamografia é uma ferramenta importante, não?
SHULMAN
- Sem dúvida, mas alguns estudos mostram que nem sempre a mulher busca a mamografia quando está disponível por falta de informação. Há o medo de que o câncer de mama mate ou mutile. Por isso a educação é tão importante.

FOLHA - Houve uma polêmica recente nos EUA sobre as diretrizes que indicam a idade ideal para o rastreamento de câncer de mama. Um grupo de pesquisadores do governo americano indicou o início a partir dos 50 anos, com exames bienais. O que o sr. acha disso?
SHULMAN
- Para mim, a recomendação é começar a mamografia aos 40 anos, anualmente, e estou muito seguro disso. Os estudos que mostram tratamento e diagnóstico em excesso apresentam problemas. Eu vejo o que ocorre com mulheres com câncer de mama já espalhado e qualquer coisa que você possa fazer para diagnosticar a doença em estágio inicial deve ser feita. Se o problema é custo, diagnosticar precocemente uma mulher mais nova salva mais anos de produção -esse é o maior impacto do ponto de vista econômico.

FOLHA - E a radioterapia? É essencial em todos os casos? No Brasil, mais de 80 mil pessoas com diagnóstico de câncer estão em filas de espera pelo procedimento, chegando a aguardar seis meses.
SHULMAN
- Esse ponto é muito importante. Existem vários trabalhos provando que o atraso no início do tratamento ou sua interrupção podem prejudicar a evolução do paciente. Isso é uma questão de ter a estrutura, pois a radio é um tratamento complicado e caro, mas é claro que pode ser feita, como é feita em todo o mundo. Nos EUA, dependendo da situação, tentamos oferecer a cirurgia em até duas semanas, no máximo três. E a radioterapia será iniciada em uma questão de semanas, e não de meses.

FOLHA - Observa-se um aumento de câncer de mama em mulheres mais jovens. Por que isso ocorre?
SHULMAN
- Não entendemos isso muito bem. O que sabemos é que diferentes populações têm câncer em idades diferentes e diferentes tipos de câncer de mama. Na América Latina, vemos que as mulheres manifestam o câncer mais cedo -cerca de 15 anos antes- do que as mulheres dos EUA, mas não sabemos se é uma questão ambiental, genética ou da dieta. Nos EUA, as negras têm câncer mais cedo, mas ainda não podemos explicar isso.

FOLHA - Um levantamento recente mostrou que, no Brasil, o maior número de pesquisas ocorre na área de oncologia. No entanto, muitos trabalhos são sobre novas drogas, como em outras partes do mundo. Se informação e diagnóstico precoces são mais importantes, não é paradoxal estudar drogas?
SHULMAN
- Eu pesquiso vacinas contra câncer de mama e sou muito interessado nesse tipo de estudo. Mas, realmente, o foco não deve ser o desenvolvimento de drogas, e sim maneiras de promover diagnóstico precoce e acesso a tratamento. No entanto, é preciso tentar salvar os outros 20% que ainda morrem da doença. Em contrapartida, vejo em congressos que o Brasil tem médicos de alta qualidade, preocupados em entender como é possível levar mais informação a outras partes do país, não ficam focados em tecnologia.


Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.