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ENTREVISTA
Chega de banalizar o perfil psicopata nos "telediagnósticos"
O psiquiatra forense Daniel Martins de Barros critica o uso leigo dessa definição de transtorno mental e diz: rotular suspeitos não ajuda a resolver crimes bárbaros
Karime Xavier/Folhapress
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Daniel Martins de Barros, 54
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Crimes brutais como o caso Bruno costumam trazer à
cena a caracterização do suspeito como "psicopata" .
Para Daniel Martins de
Barros, do núcleo de Psiquiatria Forense do Instituto de
Psiquiatria da USP, "diagnosticar" transtornos psiquiátricos dessa forma é um
desserviço à sociedade.
Ele diz que rotular comportamentos não ajuda a
buscar soluções para o crime, e aproveita para criticar
o determinismo biológico,
corrente segundo a qual as
causas do ato criminoso estão em configurações do cérebro ou de genes.
Em entrevista à Folha,
Barrros explica por que é tão
difícil para a medicina lidar
com a psicopatia.
Folha - Faz sentido chamar
supostos autores de crimes
bárbaros de psicopatas?
Daniel Martins Barros - A
vulgarização da palavra psicopata é um desserviço para
a sociedade, a psiquiatria, a
justiça, todo mundo.
Por quê?
Antes, nas novelas, havia
o mocinho e o bandido. Hoje,
é o mocinho e o psicopata. A
pessoa não tem mais direito
de ser bandido, é de cara rotulada de psicopata.
É o uso indevido de uma
caracterização que se pretende científica. Há psicopatas
de fato, e eles têm características que são um transtorno
de personalidade. É uma forma disfuncional de se relacionar que é permanente, refratária a modificações.
Se você pega uma pessoa
que cometeu um crime, por
mais bárbaro e bizarro que
seja, e fala que ela é psicopata, está dizendo que ela sempre foi assim, que desde muito cedo é fria e indiferente ao
sentimento alheio, que nunca vai mudar. O pior é o telediagnóstico: você vê uma cena na TV e fala que o cara é
psicopata. É tratar o diagnóstico de forma muito leviana.
Que tipo de dano isso traz?
Há uma tendência de querer considerar crimes como
fruto de uma alteração psíquica. A sociedade tenta buscar nas ferramentas médicas
a solução para o crime.
Nós já passamos por isso
na história e sempre nos demos mal. Um exemplo atual
e polêmico é um diagnóstico
criado no Reino Unido chamado "transtorno de personalidade grave e perigoso".
Se uma pessoa tem esse diagnóstico, pode ter a liberdade
cerceada para "tratamento",
independentemente de ter
cometido um crime.
A banalização da psicopatologia aponta para o reducionismo do crime, que tira a
sua multicausalidade.
Você não pode falar: crime
é fruto [apenas] da pobreza,
da falta de educação, da ausência de Estado. É uma conjunção de fatores. Da mesma
forma, você não pode falar
que o crime é [apenas] fruto
do psiquismo do indivíduo.
O que define o psicopata?
A psicopatia já significou
um monte de coisas na história da psiquiatria. No início,
era qualquer doença mental.
Depois, designou transtornos de personalidade.
Hoje, as principais correntes a definem como um subtipo de personalidade antissocial caracterizada pelo desapego às normas sociais, por
certa indiferença e propensão à criminalidade.
O psicopata é o grupo mais
grave desse tipo de personalidade, com características
como extrema frieza, total indiferença ao outro e maior vivência criminosa. Não são
necessariamente crimes violentos. O cara pode ser um
político, um médico, não um
criminoso comum, ele vai
exercer sua frieza e sua crueldade em outros contextos.
Essas características podem
se manifestar ou não?
Exato. Um cara que é mais
frio e não se afeta com o sofrimento alheio pode ser um
bandido ou um socorrista de
ambulância. Para o sujeito
pegar miolo no asfalto ele
não pode se afetar muito com
o sofrimento alheio. A frieza
não é necessariamente um
defeito. Só estou querendo
matizar a questão.
Mas há correntes para as
quais exames de neuroimagem mostram alterações que
determinam um psicopata.
É um erro de interpretação
científica. O sujeito está fazendo ciência, mas não está
refletindo, não tem visão do
todo. Faz estudo de neuroimagem e vê que, na maioria
dos psicopatas, há função reduzida do córtex frontal.
Bom, tem todo o sentido, o
córtex frontal é o que nos dá
capacidade de autocontrole.
Aí, o cara fica feliz: "encontrei a causa da psicopatia, é a
função reduzida do córtex!".
Calma aí. Associação é diferente de causa. A associação entre o córtex e a personalidade psicopata pode ser
a causa ou a consequência.
E se uma pessoa que não manifesta sintomas tem a imagem cerebral com essa alteração no córtex?
Aí é que está. A alteração
no córtex aparece em 80%
dos psicopatas e em 30% dos
não psicopatas. A ligação está estatisticamente provada.
Mas há 20% dos psicopatas que não têm alteração nenhuma e, pior, 30% de pessoas sem transtorno de personalidade que mostram alteração na imagem cerebral.
Quais são as outras supostas
causas da psicopatia?
Não sabemos. Como tudo
em psiquiatria, é multifatorial. É uma conjunção como
predisposição biológica, funcionamento cerebral, influência do meio etc.
Como é feito o diagnóstico?
É clínico, apoiado em um
questionário.
O diagnóstico de psicopatia
pode mudar a pena?
O psicopata não tem prejuízo do entendimento ou do
autocontrole. É imputável, se
for condenado, é um preso
comum. Pode merecer tratamento psiquiátrico, mas não
significa que tenha a responsabilidade diminuída.
Há cura para a psicopatia?
Não há tratamento comprovado. Se o sujeito é mais
impulsivo ou muito irritado,
pode tomar remédio para diminuir essas características,
mas é só sintomático. As terapias psicológicas, em alguns
casos, até pioraram o quadro
do transtorno.
Qual é a incidência de psicopatas na população?
Cerca de 1% da população
mundial e, em média, 10%
da população carcerária.
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