São Paulo, domingo, 17 de julho de 2011

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ENTREVISTA EDUARDO FRANCO

Exames inúteis só atrapalham a luta contra o HPV

EPIDEMIOLOGISTA BRASILEIRO VÊ FALHAS GRAVES NA MANEIRA COMO PAÍS RASTREIA LESÕES QUE CAUSAM CÂNCER E DEFENDE VACINAÇÃO GERAL

Paula Giolito/Folhapress
O médico brasileiro eduardo Franco, da Divisão de epidemiologia do Câncer da Universidade McGill, no Canadá

MARIANA VERSOLATO
DE SÃO PAULO

O epidemiologista brasileiro Eduardo Franco, chefe do Departamento de Oncologia e diretor da Divisão de Epidemiologia do Câncer da Universidade McGill, em Montreal, no Canadá, está há mais de 20 anos fora do Brasil.
Mas isso não o torna menos distante do debate sobre a vacinação contra o HPV (papilomavírus humano) e as diretrizes para o rastreio do câncer de colo de útero.
Hoje, a vacina só está disponível na rede privada, a um custo médio de R$ 1.000. Franco, ferrenho defensor da imunização em massa contra o HPV, afirma que, se o país vacinasse meninas e meninos em idade escolar, o câncer de colo de útero poderia ser erradicado.
Confira a entrevista.

 


Folha - Hoje a vacina no Brasil só está disponível na rede privada e é cara. O que pensa a respeito? O preço é um obstáculo para a vacinação?
Eduardo Franco -
A vacina é cara na rede privada, mas o custo não seria o mesmo para a adoção subsidiada na rede pública. A Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) já garante um custo de US$ 15 por dose na América Latina. Se o Brasil participasse desse pool, esse custo seria ainda mais reduzido.

Você critica a forma como o rastreamento do câncer de colo de útero é feito no país. Quais são os problemas?
Hoje existe um excesso de exames. A prevenção é feita por um teste obsoleto, que é o teste citológico, o papanicolaou. Na maioria dos países avançados ele já foi substituído. Há tecnologias melhores, como o teste molecular, que rastreia a presença do vírus.

Mas o teste molecular custa mais caro, não?
Sim, e esse é mais um motivo para a resistência do governo em adotá-lo. É o mesmo argumento de que a vacina custa caro, mas a lógica é a mesma: se adotar de forma universal, o preço cai.

O que você acha que falta para acontecer essa mudança?
Falta coragem política e informação técnica correta. Infelizmente existe um certo imobilismo que não existe só no Brasil, mas numa série de países. Existe toda uma especialidade médica, que é a citopatologia, que vive de fazer exames citológicos. Uso a seguinte analogia: se você tem uma caixa de ferramentas e a única que você tem é o martelo, você vai procurar prego.

Como vê as novas diretrizes do Inca (Instituto Nacional de Câncer) que aumentam a idade do rastreio de 59 anos para 64 anos?
É irrelevante, porque o câncer de colo de útero aparece mais no início da atividade sexual. Vão descobrir casos que já estão além de qualquer possibilidade terapêutica.

Apesar de a vacina contra HPV ter sido introduzida há poucos anos, já dá para falar do impacto da vacinação no Brasil e em outros países?
Já temos os resultados na Austrália, que foi um dos primeiros países a adotar a vacinação em massa, e lá houve redução no numero de lesões. No Brasil, se o governo adotar a vacinação para todas as meninas em idade escolar, deixa de existir o efeito que chamo de "tal mãe, tal filha".
Hoje as mulheres que desenvolvem câncer de colo de útero são as que têm nível socioeconômico mais baixo. São aquelas mulheres que não são amparadas pelo sistema de saúde. E provavelmente nunca ouviram falar de vacina. As filhas delas serão como os mães.
Por outro lado, aquelas que vão todo ano fazer seu papanicolaou não vão desenvolver câncer. Essas mulheres também sabem da vacina, têm dinheiro e levarão as filhas para serem vacinadas.Portanto, ao não introduzir a vacinação universal na população brasileira, a gente acaba protegendo duplamente uma camada da população que já estava protegida.


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