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Terapia celular gera tumor cerebral em garoto, diz estudo
Câncer surgiu cinco anos após tratamento feito na Rússia; trabalho demonstrou que doença veio das células-tronco
Pesquisadores brasileiros
afirmam que os resultados são importantes porque mostram os riscos da terapia feita de forma inadvertida
CLÁUDIA COLLUCCI
JULLIANE SILVEIRA
FLÁVIA MANTOVANI
DA REPORTAGEM LOCAL
Um estudo israelense relacionou, pela primeira vez, o
surgimento de um tumor cerebral em um garoto a um tratamento com células-tronco que
ele havia feito cinco anos antes
na Rússia. O trabalho demonstrou, por meio de marcadores
celulares, que o câncer desenvolvido pelo menino veio das
células implantadas.
Para pesquisadores brasileiros, o estudo é muito importante porque mostra os riscos da
terapia com células-tronco realizada fora de protocolos científicos de pesquisa. No Brasil, alguns pacientes têm viajado ao
exterior, especialmente à China, em busca dessas terapias.
O garoto cujo caso clínico foi
relatado na pesquisa é de Israel
e tem origem marroquina. Ele é
portador de ataxia-telangiectasia, uma doença neurológica
degenerativa, que leva a tremores, paralisia e morte.
A autora do estudo, Ninette
Amariglio, do Sheba Medical
Center (Israel), disse à Folha
que os pais do garoto, que moram em Israel, foram advertidos para os riscos do tratamento na Rússia.
"Nós dissemos que eles não
deveriam ir para lá, pois a terapia ainda não foi suficientemente testada. Na Rússia, eles
usam a terapia com células-tronco basicamente para fins
cosméticos [antienvelhecimento], em adultos e pessoas
mais velhas. Não havia sido feito teste em crianças."
Amariglio explica que, além
de desenvolver o câncer, o garoto não teve nenhuma melhora nos sintomas da doença.
"Precisamos considerar que o
caso se refere a uma criança e
que qualquer célula que colocamos em uma criança vai
crescer de maneira diferente
do que em adultos. O corpo está em desenvolvimento, todo o
organismo ainda está crescendo, não há "freios". Em adultos
talvez seja menos perigoso."
Origem do tumor
O geneticista Carlos Alberto
Moreira Filho, professor da Faculdade de Medicina da USP,
explica que, embora a ataxia-telangiectasia também possa
causar câncer, especialmente
leucemia e tumores cerebrais, o
estudo não deixa dúvidas de
que o tumor do menino se originou das células transplantadas. "Eles conseguiram demonstrar que o garoto havia recebido células-tronco de dois
fetos diferentes e que foram
elas que deram origem ao tumor cerebral."
Segundo Moreira Filho, ainda não há segurança para o uso
da terapia celular na prática clínica. "Fizemos alguns experimentos in vitro que mostraram
que até células de cordão umbilical, quando você tenta multiplicá-las, podem expressar antígenos tumorais."
Para a geneticista Lygia da
Veiga Pereira, professora da
USP, sob o ponto de vista científico, a terapia com células-tronco recebida pelo garoto na
Rússia não pode nem ser considerada. "Não sei quais células
foram injetadas, se elas foram
cultivadas ou não ou a que tipo
de manipulação essas células
foram submetidas."
Pereira avalia que o estudo é
importante porque mostra os
riscos envolvidos em um tratamento com células-tronco não
consagrado pela comunidade
médico-científica. "É um perigo recorrer a essas clinicazinhas que oferecem tratamento
com células-tronco pela internet. É muito charlatanismo."
Tanto ela quanto a geneticista Mayana Zatz, também da
USP, ponderam que o estudo
não pode servir de desestímulo
para o desenvolvimento de pesquisas com células-tronco.
"Tudo pode ser perigoso se for
feito de maneira irresponsável", diz Pereira.
Ninette Amariglio, de Israel,
concorda: "Pesquisadores precisam monitorar e acompanhar
esses pacientes de maneira
muito cuidadosa. Eles devem
manter essa história como
exemplo, não devem parar de
pesquisar, mas devem pesquisar mais atentos, o que não
aconteceu na Rússia, onde
ocorre o turismo médico."
Na avaliação de Salmo Raskin, presidente da Sociedade
Brasileira de Genética Médica,
a importância do artigo está em
mostrar que os cientistas ainda
têm muito a aprender sobre células-tronco não-adultas.
"O caso confirma que as suspeitas de que células-tronco
podem originar tumores em
humanos não são mais suspeitas e que precisamos pesquisar
muito para descobrir como reverter isso. As regulações que
estão sendo feitas hoje estão
corretas. Infelizmente, as pessoas não podem querer que essas terapias estejam disponíveis amanhã", afirma.
Raskin diz que entende a atitude dos pais em buscar qualquer tratamento existente,
mesmo que ainda não tenha o
embasamento adequado. "É
compreensível que pais desesperados topem qualquer coisa.
O que não compreendo é um
médico topar qualquer coisa."
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