São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008

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Aspirina não protege diabéticos

Nova pesquisa com 1.276 pessoas diz que droga não evita infarto em pacientes sem doença cardíaca

Para endocrinologista, resultados da pesquisa não devem alterar tratamento; cardiologista recomenda cautela no uso da droga

CLÁUDIA COLLUCCI
JULLIANE SILVEIRA

DA REPORTAGEM LOCAL

O uso regular de aspirinas e de suplementos antioxidantes (ômega 3, por exemplo) não previne ataques cardíacos em diabéticos assintomáticos, revela um estudo publicado anteontem na revista científica "British Medical Journal". Cerca de 80% dos diabéticos morrem em conseqüência de doenças cardiovasculares.
Os resultados contradizem as recomendações atuais de que diabéticos devam consumir aspirina rotineiramente como proteção aos riscos cardíacos. Sobre esses achados, médicos ouvidos pela Folha divergem: alguns dizem que a aspirina deve ser mantida, outros recomendam cautela.
De forma geral, a aspirina é recomendada a pessoas que já tiveram ataques cardíacos ou que foram diagnosticadas com doenças na artéria coronária porque pode reduzir futuras complicações em até 25%.
A nova pesquisa acompanhou por oito anos 1.276 pacientes diabéticos, com mais de 40 anos e sem evidência de doença cardiovascular. O grupo foi dividido em quatro: uma parte recebeu aspirina ou placebo; outra, antioxidante ou placebo; outra, aspirina e antioxidante; e a última, só placebo. A conclusão foi que nem a aspirina nem os antioxidantes trouxeram benefícios adicionais aos diabéticos.
Segundo Jill Belch, do Instituto de Pesquisa Cardiovascular da Universidade de Dundee (Escócia), que coordenou o estudo, não houve diferença na taxa de ataques cardíacos ou de mortes entre os que tomaram aspirina ou antioxidantes e os que tomaram placebo.
Belch alerta que a aspirina é uma das causas mais comuns de internações hospitalares por sangramentos estomacais. "Nós fomos um pouco longe demais com o uso da aspirina", disse a pesquisadora. "Precisamos repensar seu uso na prevenção de doenças cardíacas."

Cautela
O cardiologista Sérgio Timerman, diretor de treinamento de pesquisa em emergência cardiovascular do InCor (Instituto do Coração), concorda com Belch. Para ele, os médicos terão de "colocar na balança" os reais riscos e os benefícios da aspirina ao diabético sem doença cardiovascular e sem outros riscos associados (hipertensão, obesidade e histórico familiar, por exemplo).
"Quando se tem um diagnóstico de diabetes, a gente trata de forma agressiva, como se ele fosse desenvolver uma angina e um infarto. Mas até agora existia a dúvida: será que devemos tratar o diabético assintomático com aspirina? Será que a droga reduz o risco de infarto? O estudo mostrou que não: nem a aspirina nem os antioxidantes reduziram o risco."
Para o endocrinologista Marcos Tambascia, presidente do Departamento de Diabetes da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), os resultados da pesquisa não devem inspirar alterações no tratamento dos diabéticos. "Isso não quer dizer que o diabético não deva usar aspirina. Estudos clínicos são feitos com um grupo específico e, para mudar uma conduta, é preciso repetir o estudo em outros locais e em outras populações."
Mas ele concorda que o tratamento tem limitações. Como as plaquetas dos diabéticos são mais ativadas do que as daqueles sem a doença, o sangue desses pacientes coagula com mais facilidade. Isso faz com que o resultado da prevenção com aspirina seja pior no diabético do que em pessoas com tendência a desenvolver problemas cardiovasculares. "Ainda assim, o tratamento é válido. Como o diabetes do tipo 2 eleva de quatro a seis vezes as chances de um infarto, o diabético deve ser tratado como se tivesse o mesmo risco de um infartado."
Timerman pondera: "Não é que [a aspirina] tenha contra-indicação ou que o paciente vá piorar. Mas o fato é que, como toda droga, a aspirina tem seus efeitos colaterais, pode levar a eventos hemorrágicos. Não há evidência científica de que, se introduzirmos aspirina ou antioxidantes antes, vai haver efeitos benéficos".
John Buse, presidente de medicina e saúde da Associação Americana de Diabetes, diz que o estudo tocou em um ponto bastante controverso e que serão necessários mais ensaios clínicos para que as atuais recomendações sejam mudadas.


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