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Aspirina não protege diabéticos
Nova pesquisa com 1.276 pessoas diz que droga não evita infarto em pacientes sem doença cardíaca
Para endocrinologista, resultados da pesquisa não devem alterar tratamento; cardiologista recomenda cautela no uso da droga
CLÁUDIA COLLUCCI
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
O uso regular de aspirinas e
de suplementos antioxidantes
(ômega 3, por exemplo) não
previne ataques cardíacos em
diabéticos assintomáticos, revela um estudo publicado anteontem na revista científica
"British Medical Journal". Cerca de 80% dos diabéticos morrem em conseqüência de doenças cardiovasculares.
Os resultados contradizem
as recomendações atuais de
que diabéticos devam consumir aspirina rotineiramente
como proteção aos riscos cardíacos. Sobre esses achados,
médicos ouvidos pela Folha divergem: alguns dizem que a aspirina deve ser mantida, outros
recomendam cautela.
De forma geral, a aspirina é
recomendada a pessoas que já
tiveram ataques cardíacos ou
que foram diagnosticadas com
doenças na artéria coronária
porque pode reduzir futuras
complicações em até 25%.
A nova pesquisa acompanhou por oito anos 1.276 pacientes diabéticos, com mais de
40 anos e sem evidência de
doença cardiovascular. O grupo foi dividido em quatro: uma
parte recebeu aspirina ou placebo; outra, antioxidante ou
placebo; outra, aspirina e antioxidante; e a última, só placebo. A conclusão foi que nem a
aspirina nem os antioxidantes
trouxeram benefícios adicionais aos diabéticos.
Segundo Jill Belch, do Instituto de Pesquisa Cardiovascular da Universidade de Dundee
(Escócia), que coordenou o estudo, não houve diferença na
taxa de ataques cardíacos ou de
mortes entre os que tomaram
aspirina ou antioxidantes e os
que tomaram placebo.
Belch alerta que a aspirina é
uma das causas mais comuns
de internações hospitalares
por sangramentos estomacais.
"Nós fomos um pouco longe
demais com o uso da aspirina",
disse a pesquisadora. "Precisamos repensar seu uso na prevenção de doenças cardíacas."
Cautela
O cardiologista Sérgio Timerman, diretor de treinamento de pesquisa em emergência
cardiovascular do InCor (Instituto do Coração), concorda
com Belch. Para ele, os médicos
terão de "colocar na balança" os
reais riscos e os benefícios da
aspirina ao diabético sem
doença cardiovascular e sem
outros riscos associados (hipertensão, obesidade e histórico familiar, por exemplo).
"Quando se tem um diagnóstico de diabetes, a gente trata de
forma agressiva, como se ele
fosse desenvolver uma angina e
um infarto. Mas até agora existia a dúvida: será que devemos
tratar o diabético assintomático com aspirina? Será que a
droga reduz o risco de infarto?
O estudo mostrou que não:
nem a aspirina nem os antioxidantes reduziram o risco."
Para o endocrinologista Marcos Tambascia, presidente do
Departamento de Diabetes da
Sbem (Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia), os resultados da pesquisa
não devem inspirar alterações
no tratamento dos diabéticos.
"Isso não quer dizer que o diabético não deva usar aspirina.
Estudos clínicos são feitos com
um grupo específico e, para
mudar uma conduta, é preciso
repetir o estudo em outros locais e em outras populações."
Mas ele concorda que o tratamento tem limitações. Como as
plaquetas dos diabéticos são
mais ativadas do que as daqueles sem a doença, o sangue desses pacientes coagula com mais
facilidade. Isso faz com que o
resultado da prevenção com aspirina seja pior no diabético do
que em pessoas com tendência
a desenvolver problemas cardiovasculares. "Ainda assim, o
tratamento é válido. Como o
diabetes do tipo 2 eleva de quatro a seis vezes as chances de
um infarto, o diabético deve ser
tratado como se tivesse o mesmo risco de um infartado."
Timerman pondera: "Não é
que [a aspirina] tenha contra-indicação ou que o paciente vá
piorar. Mas o fato é que, como
toda droga, a aspirina tem seus
efeitos colaterais, pode levar a
eventos hemorrágicos. Não há
evidência científica de que, se
introduzirmos aspirina ou antioxidantes antes, vai haver
efeitos benéficos".
John Buse, presidente de
medicina e saúde da Associação
Americana de Diabetes, diz que
o estudo tocou em um ponto
bastante controverso e que serão necessários mais ensaios
clínicos para que as atuais recomendações sejam mudadas.
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