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Mulher recebe órgão feito com suas células-tronco
Trata-se do primeiro transplante de tecido sem usar medicamentos anti-rejeição
Células deram origem a uma nova traquéia a partir de estrutura de órgão de um doador; médico só havia usado a técnica em porcos
Reuters
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A colombiana Claudia Castillo, 30, que tinha tuberculose e passa bem cinco meses após o transplante
AMARÍLIS LAGE
FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL
IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pesquisadores divulgaram
ontem, no site da revista médica "The Lancet", o primeiro
transplante de traquéia feito
com engenharia tecidual -o
órgão foi criado a partir de células-tronco da própria paciente.
Trata-se do primeiro transplante de tecido feito sem a necessidade de medicamentos
anti-rejeição.
Claudia Castillo, 30 anos, teve as vias aéreas danificadas devido à tuberculose. Em vez receber parte da traquéia de um
doador -o que poderia gerar
rejeição de seu organismo-, os
cientistas criaram um órgão a
partir de células-tronco da medula óssea e das vias aéreas de
Claudia, com uma base de colágeno da traquéia de um doador.
Ela fez o transplante há cinco
meses e está levando uma vida
normal. O procedimento foi
realizado por pesquisadores espanhóis, ingleses e italianos.
Para fazer o novo órgão, foi
utilizada como base a traquéia
de um doador, que havia morrido recentemente. Por meio de
enzimas e de outras substâncias químicas, os pesquisadores
retiraram todas as células do
doador da traquéia, deixando
apenas a estrutura de colágeno,
chamada de matriz. Isso lhes
forneceu um suporte, que foi
recoberto pelas células-tronco
de Claudia, multiplicadas ao
longo de quatro dias.
Quatro dias após a cirurgia, o
órgão era quase idêntico às vias
aéreas adjacentes. Um mês depois, a área transplantada já
contava com sua própria vascularização. Claudia não criou anticorpos contra o órgão e não
precisou ser medicada com
imunossupressores.
Antes de realizar o transplante experimental na paciente, o cirurgião Paolo Macchiari,
do Hospital Clínic de Barcelona, só havia feito o procedimento em porcos.
Sérgio Arap, cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital das
Clínicas de São Paulo e gerente
médico do centro cirúrgico do
Hospital Sírio-Libanês, diz que
a utilização de matrizes de colágeno para transplantes já tem
sido feita em algumas áreas,
mas a operação realizada em
Barcelona é pioneira por ter
utilizado células-tronco para o
revestimento da matriz. "Não é
a mesma coisa que dizer que a
traquéia foi criada a partir das
células-tronco."
Perspectivas
Osiris Brasil, cirurgião de cabeça e pescoço do Hospital Albert Einstein e da Unifesp
(Universidade Federal de São
Paulo), ficou otimista com o resultado. "Achei interessante
porque há muitos casos de lesões de traquéia causadas por
traumatismos ou entubações
por tempo prolongado em que
não há mais o que fazer."
Para Brasil, o transplante de
traquéia nesses casos será a
melhor técnica a ser adotada,
pois evitará que pacientes tenham de conviver com uma
traqueostomia definitiva.
Orlando Parise Júnior, cirurgião de cabeça e pescoço do
Hospital Sírio-Libanês, destaca
o fato de o método dispensar
drogas anti-rejeição. "Essa é a
questão-chave no sucesso do
transplante. Nesse período de
cinco meses, uma rejeição grave já teria ocorrido."
Para Silvio Duailibi, professor da disciplina de cirurgia
plástica da Unifesp e especialista em engenharia tecidual, o
risco de rejeição ainda não pode ser descartado. Ele ressalta
que os estudos são promissores, mas incipientes.
Duailibi diz que, mesmo nesse processo, é possível que haja
rejeição -caso haja contaminação durante a multiplicação
celular, por exemplo. Outro risco é o de o tecido não funcionar
direito."Esse caso mostra a viabilidade da célula-tronco adulta, que é muito promissora para
as terapias", diz.
Mas pondera: "Todo processo novo, sobretudo na terapia
celular e na engenharia tecidual, só pode ser adotado quando se esgotam os modelos experimentais. Aí sim, a terapia pode ser feita em humanos, com
aprovação da Anvisa e da FDA."
Parise concorda que ainda é
preciso muito estudo para que
a técnica seja adotada como rotina no Brasil e no mundo -já
que há o relato de só um caso.
"Para introduzirmos uma nova
tecnologia, temos de ter regras
muito bem estabelecidas e isso
pode demorar muitos anos."
Laringe
Arap acredita que o transplante abre novas perspectivas,
mas diz que ainda há um longo
caminho a percorrer. Ele vê as
apostas de cientistas no uso da
técnica para a reconstituição de
laringe, por exemplo, com cautela. "Ao contrário da traquéia,
que é rígida, a laringe funciona
como uma válvula e precisa de
enervação sensitiva, além da
motora", afirma.
Osiris Brasil também faz
uma ressalva quanto aos tumores de laringe. "Não é verdade
que se tratarão mais tumores
de laringe com essa técnica,
pois a laringe perde a função
quando é transplantada, diferentemente da traquéia, que
não perde por ser só um tubo."
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