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1/3 dos cânceres de mama sem tratamento não evolui
Estudo mostra que rastreamento com mamografia leva a excesso de diagnóstico
No Brasil, rastreamento não é realizado; Inca pretende estabelecer o procedimento sistemático para mulheres de 50 a 69 anos até 2011
FERNANDA BASSETTE
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma meta-análise da Cochrane (organização internacional que avalia pesquisas médicas) mostra que um terço dos
cânceres de mama diagnosticados em países com rastreamento estabelecido não causaria
sintomas ou não levaria as pacientes à morte, mesmo que
não fossem tratados.
Nesses casos, as mulheres
passam por tratamentos considerados invasivos e que podem
ter sido desnecessários. Mas
ainda não há maneira de saber
quais tumores vão evoluir.
Sabe-se que algumas das lesões detectadas precocemente
(como pequenos pontos e calcificações) passam anos sem evoluir para um câncer -em outros casos, regridem ou se estabilizam. No entanto, nenhum
exame consegue, ainda, determinar o grau de agressividade.
O estudo, publicado no "British Medical Journal", considerou 315 artigos com dados de
rastreamento com mamografia
em cinco países -Reino Unido,
Canadá, Austrália, Suécia e Noruega. Em todos os casos, as
mulheres recrutadas tinham
mais de 50 anos de idade.
Considera-se rastreamento a
convocação explícita, para a
realização de exames, de pessoas sadias, sem sintomas e de
uma faixa etária específica.
No Brasil, não existe política
de rastreamento para nenhum
tipo de câncer. No entanto, especialistas ouvidos pela Folha
concordam que o procedimento pode beneficiar pacientes.
O Inca (Instituto Nacional
de Câncer) afirma que pretende implementar até 2011 o rastreamento sistemático (com
convocação de pacientes) para
câncer de mama, recrutando
para exames bienais as mulheres de 50 a 69 anos.
Para isso, o instituto quer aumentar em quase 70% o número de mamografias, passando
das 2,6 milhões realizadas em
2008 para 4,4 milhões estimadas em 2011. "Esse número
considera mulheres na faixa
etária de risco", diz Amâncio
Carvalho, coordenador-geral
de ações estratégicas do Inca.
Para alcançar essa meta, o
Ministério da Saúde aumentou
os recursos específicos para as
mamografias. Em 2009, foram
disponibilizados R$ 20 milhões
a mais no orçamento.
Atualmente o Inca incentiva
o "rastreamento oportunista",
que acontece quando a mulher
na faixa etária de risco procura
o posto de saúde por conta própria e é convidada pelo médico
a se submeter à mamografia.
Carvalho admite, no entanto,
que existe o efeito reverso de
convocar mulheres sem sintomas a fazer o exame. "Certamente haverá excesso de diagnóstico e existirá uma parcela
de mulheres que terá lesões
que não evoluiriam para o câncer. Elas vão receber intervenções desnecessárias, mas essa é
uma consequência de uma política que está buscando um benefício maior: reduzir a taxa de
mortalidade", afirma.
Ele diz que o rastreamento
organizado será possível com o
Sismama, cadastro nacional
que, desde junho, reúne dados
como o nome e a idade das mulheres, o tempo de espera pela
mamografia e o estágio do tumor encontrado, por exemplo.
Em 2006, 10.950 mulheres
morreram no Brasil em decorrência do câncer de mama. Para 2009, estimam-se 49.400
novos casos da doença.
Reduzir mortalidade
"Não há dúvida de que o rastreamento sistemático traz um
benefício. Experiências mostram que ele tem um impacto
direto na redução da mortalidade em torno de 20%", diz
Amâncio Carvalho, do Inca.
Para a mastologista Maira
Caleffi, presidente da Femama
(Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio
à Saúde da Mama), uma política pública de rastreamento é
benéfica às pacientes.
"O rastreamento detecta casos de câncer de mama que dificilmente vão provocar metástase. Só que ainda não é possível dizer se esses cânceres vão
para a frente ou não", diz.
Para Caleffi, a questão apresentada pela revisão da Cochrane não se aplica ao Brasil. Segundo ela, o país ainda faz diagnóstico em apenas um terço
das mulheres que precisam.
"Tomara que eu tenha que pensar nesse problema [de excesso
de diagnósticos] no futuro."
Estrutura
Na avaliação do mastologista
Luiz Henrique Gebrim, professor da Unifesp (Universidade
Federal de São Paulo) e diretor
do Hospital Pérola Byington, a
implantação de uma política
nacional de rastreamento esbarra na falta de estrutura de
algumas regiões do país. "Os
Estados são muito heterogêneos. O Inca deveria estimular
cada Estado a resolver seu problema interno. Precisamos capacitar especialistas e criar
centros especializados", diz.
Carvalho diz que todos os Estados têm equipamentos, mas a
capacitação das equipes é deficitária. "O problema é formar
equipes capacitadas e organizar os equipamentos para atender ao máximo de pacientes."
Especialistas defendem ainda que haja rapidez em todas as
fases do rastreamento, da mamografia a biópsia e outros exames que são necessários para
confirmar a doença.
A mamografia, isoladamente,
não aponta com segurança o
grau e o tipo da lesão. "A eficácia do exame é menor em função das dúvidas que a mama da
mulher mais jovem [por ser
mais densa] traz", diz Gebrim.
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