São Paulo, quarta-feira, 22 de julho de 2009

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1/3 dos cânceres de mama sem tratamento não evolui

Estudo mostra que rastreamento com mamografia leva a excesso de diagnóstico

No Brasil, rastreamento não é realizado; Inca pretende estabelecer o procedimento sistemático para mulheres de 50 a 69 anos até 2011

FERNANDA BASSETTE
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma meta-análise da Cochrane (organização internacional que avalia pesquisas médicas) mostra que um terço dos cânceres de mama diagnosticados em países com rastreamento estabelecido não causaria sintomas ou não levaria as pacientes à morte, mesmo que não fossem tratados.
Nesses casos, as mulheres passam por tratamentos considerados invasivos e que podem ter sido desnecessários. Mas ainda não há maneira de saber quais tumores vão evoluir.
Sabe-se que algumas das lesões detectadas precocemente (como pequenos pontos e calcificações) passam anos sem evoluir para um câncer -em outros casos, regridem ou se estabilizam. No entanto, nenhum exame consegue, ainda, determinar o grau de agressividade.
O estudo, publicado no "British Medical Journal", considerou 315 artigos com dados de rastreamento com mamografia em cinco países -Reino Unido, Canadá, Austrália, Suécia e Noruega. Em todos os casos, as mulheres recrutadas tinham mais de 50 anos de idade.
Considera-se rastreamento a convocação explícita, para a realização de exames, de pessoas sadias, sem sintomas e de uma faixa etária específica.
No Brasil, não existe política de rastreamento para nenhum tipo de câncer. No entanto, especialistas ouvidos pela Folha concordam que o procedimento pode beneficiar pacientes.
O Inca (Instituto Nacional de Câncer) afirma que pretende implementar até 2011 o rastreamento sistemático (com convocação de pacientes) para câncer de mama, recrutando para exames bienais as mulheres de 50 a 69 anos.
Para isso, o instituto quer aumentar em quase 70% o número de mamografias, passando das 2,6 milhões realizadas em 2008 para 4,4 milhões estimadas em 2011. "Esse número considera mulheres na faixa etária de risco", diz Amâncio Carvalho, coordenador-geral de ações estratégicas do Inca.
Para alcançar essa meta, o Ministério da Saúde aumentou os recursos específicos para as mamografias. Em 2009, foram disponibilizados R$ 20 milhões a mais no orçamento.
Atualmente o Inca incentiva o "rastreamento oportunista", que acontece quando a mulher na faixa etária de risco procura o posto de saúde por conta própria e é convidada pelo médico a se submeter à mamografia.
Carvalho admite, no entanto, que existe o efeito reverso de convocar mulheres sem sintomas a fazer o exame. "Certamente haverá excesso de diagnóstico e existirá uma parcela de mulheres que terá lesões que não evoluiriam para o câncer. Elas vão receber intervenções desnecessárias, mas essa é uma consequência de uma política que está buscando um benefício maior: reduzir a taxa de mortalidade", afirma.
Ele diz que o rastreamento organizado será possível com o Sismama, cadastro nacional que, desde junho, reúne dados como o nome e a idade das mulheres, o tempo de espera pela mamografia e o estágio do tumor encontrado, por exemplo.
Em 2006, 10.950 mulheres morreram no Brasil em decorrência do câncer de mama. Para 2009, estimam-se 49.400 novos casos da doença.

Reduzir mortalidade
"Não há dúvida de que o rastreamento sistemático traz um benefício. Experiências mostram que ele tem um impacto direto na redução da mortalidade em torno de 20%", diz Amâncio Carvalho, do Inca.
Para a mastologista Maira Caleffi, presidente da Femama (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama), uma política pública de rastreamento é benéfica às pacientes.
"O rastreamento detecta casos de câncer de mama que dificilmente vão provocar metástase. Só que ainda não é possível dizer se esses cânceres vão para a frente ou não", diz.
Para Caleffi, a questão apresentada pela revisão da Cochrane não se aplica ao Brasil. Segundo ela, o país ainda faz diagnóstico em apenas um terço das mulheres que precisam. "Tomara que eu tenha que pensar nesse problema [de excesso de diagnósticos] no futuro."

Estrutura
Na avaliação do mastologista Luiz Henrique Gebrim, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretor do Hospital Pérola Byington, a implantação de uma política nacional de rastreamento esbarra na falta de estrutura de algumas regiões do país. "Os Estados são muito heterogêneos. O Inca deveria estimular cada Estado a resolver seu problema interno. Precisamos capacitar especialistas e criar centros especializados", diz.
Carvalho diz que todos os Estados têm equipamentos, mas a capacitação das equipes é deficitária. "O problema é formar equipes capacitadas e organizar os equipamentos para atender ao máximo de pacientes."
Especialistas defendem ainda que haja rapidez em todas as fases do rastreamento, da mamografia a biópsia e outros exames que são necessários para confirmar a doença.
A mamografia, isoladamente, não aponta com segurança o grau e o tipo da lesão. "A eficácia do exame é menor em função das dúvidas que a mama da mulher mais jovem [por ser mais densa] traz", diz Gebrim.


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