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MINHA HISTÓRIA
CRISTINA DE BARROS, 43
Pedalando atrás da cura
...Fui mordida pelo bicho do cicloturismo, sabia que iria viajar mais... Foi quando o exame de rotina detectou o câncer de colo do útero... Fizeram um corte de 30 cm na minha barriga,
fui virada do avesso, mas deu tudo certo
Marisa Cauduro/Folhapress
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A professora de educação física e ciclista Cristina de Barros na USP, onde costuma treinar
RESUMO
Há cinco anos, a professora de educação física Cristina de
Barros foi operada de um
câncer de colo do útero.
Sete meses meses depois,
retirou um ovário, por causa de um cisto hemorrágico. Para comemorar a cura, ela acaba de percorrer
2.700 km de bicicleta,
unindo as capitais do Sudeste e divulgando a importância dos exames preventivos.
...Depoimento a
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
Acabei de voltar de uma
viagem de bicicleta passando por todas as capitais do
Sudeste brasileiro. Fiz o trajeto, de 2.700 km, sozinha, para comemorar a cura de um
câncer no colo do útero, operado há cinco anos.
Eu não pedalava para valer até 2000, quando me divorciei. Depois da separação,
eu estava naquela de pensar:
"não sei se me caso (de novo)
ou compro uma bicicleta".
Naquele momento, achei
melhor comprar a bicicleta.
Comecei a pedalar no meu
bairro, nos parques Ibirapuera e Villa-Lobos e na USP,
que é perto da minha casa.
Sou professora de educação
física, gosto de esporte, resolvi unir o útil ao agradável.
Conheci a trupe da bike,
ouvi falar do cicloturismo e
quis experimentar. Eu adoro
viajar. Minha primeira viagem de bicicleta foi o Caminho do Sol, de Santana do
Parnaíba a Águas de São Pedro, no Estado de São Paulo.
São 250 km pedalando.
Eu amei de paixão, fui
mordida pelo bicho do cicloturismo, sabia que iria viajar
mais. Foi quando, no exame
ginecológico de rotina, o teste de Papanicolau detectou o
câncer de colo do útero.
Esse câncer é assintomático, se você não faz o exame
preventivo pode ficar anos
sem saber que tem a doença.
A sorte é que descobri logo,
peguei o bicho no laço.
VIRADA DO AVESSO
Foi em agosto de 2005, eu
estava com 38 anos. Um mês
depois fui para a mesa de cirurgia. Retiraram todo o útero. Eu não tenho filhos, mas
não faz mal, tem tanta criança aí para ser adotada.
Na cirurgia, fizeram um
corte de 30 cm na minha barriga, fui virada do avesso,
mas deu tudo certo. Difícil foi
a recuperação.
Fiquei um mês sem poder
sair da cama e mais três meses sem fazer atividades físicas. Uma tortura para mim,
que sempre fui muito ativa.
Quando estava recomeçando, fazendo caminhadas leves, tive um cisto hemorrágico em um dos ovários.
Eu ia completar sete meses
da primeira operação e fui
para a mesa de cirurgia de
novo. O ovário estava inchado, os médicos não sabiam se
era decorrência do câncer.
Mesmo assim, eu não fiquei preocupada com a cirurgia. Mas a recuperação me
preocupava. Foram mais
quatro meses de molho.
Certos dias, eu tinha de me
jogar da cama para fazer alguma coisa. Eu não queria
nem acordar.
Mas acho que 90% da recuperação depende da gente, 10% da medicina. Se isso é
algo comprovado, eu não sei.
Mas acreditei nisso, e brigava
comigo mesma para sair de
casa, andar de bicicleta.
Cheguei a perguntar para
a médica se tinha um comprimidinho para levantar o astral. Ela me disse que até tinha, mas que, para mim, pedalar era o melhor remédio.
Então eu ia. Pegava a bicicleta e falava "não gosto de
você", mas pedalava. No final de 2006, eu já tinha retornado ao ciclismo.
CAMINHO DE SANTIAGO
No início de 2007, comecei
a programar uma viagem para Santiago de Compostela,
em julho. Como dava aulas
para o primeiro e segundo
grau, precisava ir na época
das férias escolares.
E como o Caminho de Santiago é para ser feito a pé, a
cavalo ou de bicicleta, eu já
sabia como faria o trajeto.
Procurei uma equipe esportiva para fazer o treinamento. Eles são especializados em triatlo e eu queria fazer turismo, nada de competir. Mas treino é treino, você
tem que se preparar física e
psicologicamente.
Menos de dois anos depois
da segunda operação, coloquei a bicicleta no avião e fui
embora. Comecei a trilha na
França. No quarto dia, caí e
quebrei uma costela.
Mas continuei pedalando
os 700 km até Compostela.
Eu não tinha atravessado o
oceano inteiro para voltar
quatro dias depois.
Nesse tipo de viagem, fatalmente as notícias correm.
Então muita gente vinha falar comigo. Você é a tal Cristina, brasileira, que quebrou a
costela e teve câncer?
A pergunta clássica era:
"está pagando promessa?".
Não, acho que você não barganha com o Céu. Não barganhei, mas agradeço sempre,
da hora em que acordo à que
vou dormir.
Tudo bem, fiz a minha parte. Eu contava que tudo deu
certo também porque eu peguei o câncer no começo, por
fazer sempre os exames preventivos. Comecei a divulgar
a importância desses exames
intuitivamente, por acaso.
Eu não tinha viajado para isso, estava de férias.
Mas a ideia estava surgindo. No ano seguinte, 2008,
um amigo meu sugeriu um
projeto: pedalar por um mês
registrando histórias de superação das pessoas encontradas no caminho.
Foi bárbaro, mas ainda
não era exatamente o que eu
tinha pensado: falar sobre a
importância dos exames preventivos.
E.T. DE CAPACETE
Tirei um ano sabático e fui
fazer a Estrada Real, em Minas Gerais. Um carro de
apoio me acompanhou, dirigido na primeira parte por
um amigo e na segunda, por
minha irmã.
Agora, imagine surgir no
sertão de Minas Gerais essa
figura com capacete. Eu era
um verdadeiro ET. Claro que
as pessoas ficavam curiosas
e vinham conversar comigo.
E assim que davam uma brecha, eu falava sobre prevenção, não só para câncer, mas
para coração, pulmão, tudo.
Eu sou a prova viva de que
vale a pena se cuidar. Não
que eu queira ser a salvadora
do mundo, é uma responsabilidade muito grande. Mas
se chega alguém todo suado,
segurando uma bicicleta, é
mais fácil as pessoas ouvirem e acreditarem.
CURADA
Tenho amigos que dizem
que eu sou rodada, falada e
aventureira. E, em 2010, curada. A aventura deste ano
precisava ser especial. Os
protocolos da medicina dizem que só depois de cinco
anos você pode afirmar que
se curou do câncer.
Pela primeira vez, fui viajar já com palestras programadas, para falar da prevenção. Foram cinco, além de todas as conversas informais
sobre o assunto.
O trajeto é o mais longo
que já fiz, 2.700 km. Mais de
2.000 pedalando mesmo. Em
trechos mais perigosos, peguei carona. Eu gosto de desafios, mas também sei respeitar meus limites.
Agora, pretendo escrever
um livro sobre minhas viagens. E pedalar, claro.
Quero fazer o caminho de
São Francisco de Assis, na
Itália. E o Tour de France.
Não para competir, só para
completar o trajeto. Ou,
quem sabe, unir de bicicleta
todas as capitais do Brasil.
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