São Paulo, domingo, 23 de agosto de 2009

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HISTÓRIA

Mais de mil bebês


Doula do Amparo Maternal, em São Paulo, Therezinha Padovan ajuda voluntariamente, e há quase duas décadas, gestantes antes, durante e logo depois do trabalho de parto

Eduardo Knapp/Folha Imagem
Therezinha Padovan com Jacylene Nayara, 18, e a filha Myrela, 12 horas após seu nascimento

DENISE MOTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

São nove e meia da noite de uma quinta-feira em São Paulo e esse é um dos únicos horários em que se pode encontrar dona Therezinha tranquila em sua casa. É assim que é conhecida uma das doulas mais populares do Amparo Maternal (maternidade, alojamento e centro de atenção à gestante localizado na zona sul da capital paulista).
Além de voluntária no hospital há quase duas décadas, Therezinha Cardoso Padovan -avó de três adultos e viúva há nove anos- colabora ainda com a Associação Cruz Verde, que atende crianças portadoras de paralisia cerebral.
No tempo que lhe resta, visita os amigos, mima os netos, cuida da casa -que divide com a irmã Lenita-, viaja, deleita-se com filmes "bem românticos", assiste aos programas do canal Discovery Home & Health, especialmente aos dedicados às primeiras semanas de um recém-nascido, e faz academia.
"Faço acompanhamento ortomolecular há oito anos, tomo vitaminas e faço exames todo ano. Lá no Amparo o pessoal fala: "Lá vai a Therezinha tomar as bombas dela'", ri.
Ela não gosta de contar a idade, porque senão "ninguém acredita que eu faço tudo o que faço". Mas as mais de mil mulheres que, estima, já passaram por seus cuidados antes, durante e depois da gestação são atestado suficiente da vitalidade da paulista que decidiu ser doula porque já o era "antes de saber que existia o trabalho".
Derivado do grego, o termo doula significa "mulher que serve". A atividade se refere ao trabalho de acompanhar, com técnicas e sobretudo com apoio psicológico, a gestante nas fases finais da gravidez, da preparação para o parto aos primeiros dias de vida do bebê.
"Uma boa doula precisa ter consciência de que essa não é simplesmente uma profissão. É uma vocação. Tem que ter paciência e muita sensibilidade. A mulher necessita ser ouvida, ter atenção e carinho, e a doula fará isso permanecendo a seu lado durante todo o tempo que for preciso", ensina. "A doula jamais poderá fazer algum tipo de procedimento médico, esse é um trabalho emocional. Então não se pode levar problemas de casa para o hospital."
À semelhança da mãe, presença infalível na hora de cuidar dos doentes da família, Therezinha conta que sempre acompanhou parentes e amigos com problemas de saúde. Ao Amparo Maternal, foi levada por uma amiga em 1990 e nunca mais deixou o lugar. "É tão gostoso, eu me esqueço de tudo. A gente volta para casa feliz, satisfeita de ter ajudado mulheres que ficam tão sensíveis nessa hora maravilhosa."
A oportunidade de se especializar aconteceu há sete anos e, desde então, duas vezes por semana ela entra na maternidade às 14h e não tem hora para sair. "Depende do tempo que dura o parto e do número de gestantes", diz. No hospital nascem, em média, 1.200 bebês por mês (7% dos nascimentos da Grande São Paulo).
"Auxilio a parturiente a usar técnicas respiratórias, massagens, banhos mornos, converso, explico a dor", detalha. "A presença da doula faz uma diferença muito grande. Ela oferece palavras de encorajamento. Por tudo isso, diminui-se o tempo de parto", afirma.
Em alguns casos, também faz parte da rotina aproximar-se da gestante nos dias que antecedem o parto para estabelecer maior familiaridade com a paciente -isso porque o Amparo Maternal, instituição que comemora 70 anos neste mês, também oferece espaço para mulheres grávidas morarem temporariamente.
"Cada uma tem a sua história. Algumas desejam contar o que aconteceu com elas e, no final, estão até sorrindo, mesmo com dores", conta ela.
As maiores dores de cabeça vêm, não raramente, dos parentes. ""Às vezes, é difícil lidar com eles, que acham que o parto está demorando."
Entre um e outro empurrãozinho, a doula mergulha, em seus minutos de repouso, em obras como "Nascer Sorrindo", que acaba de ler. O livro, de Frederick Leboyer, aborda as sensações que a criança tem em seus primeiros momentos de vida fora do útero e trata da importância de que o parto se dê em um ambiente adequado.

Dias de mãe
Para Therezinha, uma das experiências mais impactantes que teve foi a participação, na reta final, da gestação de uma cigana. Com cerca de 20 anos, a moça chegou sozinha à maternidade e mal falava português.
A companhia constante e atenta por parte da doula rendeu uma troca de correspondências que se estendeu por três anos. "No dia seguinte ao parto, fui visitá-la, e ela me abraçou chorando e dizendo: "Ela foi a minha mãe'", relata, emocionada. "Era uma moça carente, nunca pensou que alguém se interessaria por ela."
O caso da cigana não é o único e se reflete nas cartas e fotos recebidas por Therezinha a cada Dia das Mães. As mulheres atendidas pela doula a mantêm informada sobre o crescimento dos então recém-nascidos que ela ajudou a vir ao mundo.
Dona de casa e professora primária, Therezinha encontra na própria experiência um argumento poderoso para estimular gestantes receosas do parto normal. Seu único filho, Flávio, nasceu sem anestesia. O parto transcorreu sem problemas, e as lembranças daquele momento se renovam em todos os cordões umbilicais cortados à sua frente. "A cada parto, eu me emociono. Quando a mãe fala com o bebê pela primeira vez é muito lindo."


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