São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2011 |
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Câncer tem graça? Filmes , seriados e quadrinhos geram polêmica ao fazer piada com a doença
CLÁUDIA COLLUCCI DE WASHINGTON "Como você chamaria uma jovem mulher que tem um linfoma atrás do outro? Linfomaníaca". A piada, de gosto duvidoso, foi usada recentemente na abertura de uma reportagem sobre comunidades de apoio a doentes oncológicos em um canal de TV norte-americano. O câncer, quem diria, virou fonte de humor nos EUA. Filmes, livros, reportagens e seriados de TV têm causado polêmica ao fazer piada com a doença que mais atemoriza as pessoas no mundo. Defensores dessas iniciativas argumentam que o humor faz bem à saúde. A própria American Cancer Society admite que o bom humor reduz o estresse, a dor e melhora a qualidade de vida do doente. Há uma explicação fisiológica: boas risadas liberam endorfinas no cérebro, o que estimula o sistema imune. PIADA EM CENA A comédia "50/50", que estreou no inicio do mês nos EUA, é o exemplo mais recente de que humor e câncer podem caminhar juntos. Baseado no livro homônimo do produtor de rádio Will Reiser, que descobriu aos 27 anos uma forma rara de câncer de medula, o filme mostra cenas em que a doença é usada, por exemplo, para conquistar mulheres. Para Reiser, piadas com o câncer fazem com que as pessoas lidem melhor com a doença, falem mais sobre ela e derrubem preconceitos. "Nós todos ficamos devastados ao descobrir que temos câncer, mas tem algo de positivo em expor nossas vulnerabilidades de forma divertida", disse ele à Folha. Na primeira temporada do seriado "The Big C", Cath Jamilson (Laura Linney), professora de história de 42 anos, descobre ter um câncer avançado e decide não passar por um agressivo tratamento. Em vez disso, dá um novo rumo a sua vida. Afasta-se do marido, engata dois casos, toma banho de sol nua e por aí vai. E faz muita piada da sua condição de doente terminal. No mercado editorial, não faltam títulos bizarros como "I'd Rather do Chemo than Clean out the Garage" (Prefiro fazer químio a limpar a garagem) ou "Cancer is so Funny". Na opinião da médica Pilar Estevez Diz, coordenadora da oncologia clínica do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira), o limite entre o humor e a ofensa é tênue. "Mas acho que é possível sim fazer humor com cautela, respeitando a cultura e a privacidade dos pacientes." A psiquiatra Maria Teresa Cruz Lourenço, especialista em psico-oncologia, também pondera que a vivência da doença e da dor é muito individual. "Há pessoas que preferem não comentar sobre sua doença, e não é por isso que vão enfrentar mais problemas. Não há uma receita que sirva para todos os doentes." Para Marcello Fanelli, diretor da oncologia clínica do Hospital A.C.Camargo, a diferença cultural entre Brasil e EUA também tem impacto na forma como as pessoas enfrentam a doença. "No Brasil, o paciente e sua família tratam com um grande pesar a doença e o tratamento. Nos EUA, eles encaram de frente esses problemas, o que torna possível lidar com humor." Já no cenário da oncologia infantojuvenil, o câncer é tratado com menos peso, segundo Fanelli. A diretoria da pediatria do hospital, Cecília da Costa, confirma. "O humor é usado como válvula, principalmente pelos adolescentes." Sydney Love, editor de humor da Learning Place, uma comunidade norte-americana de apoio a pacientes, conta que, no início da sua luta contra um tumor de próstata, sentia-se incomodado com piadas sobre câncer. "Mas, depois de três meses já participando de um grupo de apoio a pacientes oncológicos, percebi que mais ríamos do que chorávamos." Próximo Texto: 'Como me vi presa a essa doença estúpida, eu decidi insultá-la' Índice | Comunicar Erros |
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