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Pílula brasileira ilegal preocupa EUA
Droga para perda de peso tem agentes que causam dependência e já afetam a saúde de americanos e brasileiros
Dores no peito, taquicardia e insônia são alguns dos sintomas relatados por usuários dos remédios, segundo estudo de Harvard
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A entrada ilegal nos EUA de
pílulas de emagrecimento fabricadas no Brasil têm colocado médicos e a polícia americana em alerta. Os produtos, feitos em farmácias de manipulação, contêm derivados de anfetamina -substância estimulante da atividade do sistema
nervoso central- proibidos
nos EUA, mas liberados no Brasil. Um grupo de brasileiros foi
preso em razão do comércio.
Estudo da Faculdade de Medicina de Harvard, publicado
ontem no "Journal of General
Internal Medicine", mostra
que esses remédios já afetam a
saúde de americanos e de brasileiros que vivem nos EUA.
No trabalho, o clínico-geral
Pieter Cohen, professor na Escola de Medicina da Harvard e
médico no Cambridge Health
Alliance, relata casos de pacientes que usaram as pílulas
brasileiras para a perda de peso
e sofreram aumento da pressão
arterial, dores no peito e na cabeça, taquicardia, insônia, palpitação, entre outros.
Em estudo anterior, publicado no ano passado, Cohen
constatou que uma a cada cinco
brasileiras residentes nos EUA
já usaram pílulas à base de anfetaminas para emagrecer.
O Brasil é o terceiro maior
consumidor de anfetamina do
mundo, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas).
Segundo o médico, um dos
ingredientes dessas pílulas
-que também podem conter
tranqüilizantes, antidepressivos, laxantes e diuréticos- é o
femproporex, substância vendida legalmente no Brasil, de
uso controlado. Está presente
em grande parte das fórmulas
de emagrecimento e age no sistema nervoso, diminuindo o
apetite. Entre outros riscos, pode causar dependência.
Cohen afirma que o femproporex nunca chegou a ser aprovado pela FDA (a agência dos
EUA que regula alimentos e
medicamentos) porque diversas pesquisas clínicas não demonstraram nem a segurança e
nem a eficácia da substância.
O médico conta que começou
a se preocupar com o uso dessas drogas nos EUA quando
passou a atender um número
cada vez maior de pacientes
que se queixavam de sintomas
inexplicados, como dores no
peito, tremores, dor de cabeça,
insônia e náuseas.
O pior, relata Cohen, é que
muitos dos pacientes não revelam aos médicos que estão
usando os anorexígenos brasileiros porque temem represálias. "Quando isso acontece, essas pacientes podem receber
um cuidado inapropriado, pois
os sintomas podem ser incorretamente associados a outras
doenças", disse Cohen à Folha.
Mercado
Em geral, segundo o médico,
esses remédios são vendidos às
escondidas em lojas de conveniência americanas ou enviados por parentes e amigos de
brasileiros que vivem nos EUA.
Em maio deste ano, a polícia
americana prendeu um grupo
de brasileiros que vendia essas
pílulas em Marlborough, no Estado de Massachusetts. No dia
do flagrante, o grupo havia recebido do Brasil uma caixa com
mais de 3.000 pílulas. O remédio era chamado de "dr. Caveirinha" (em inglês, dr. Skeleton), uma referência à perda de
peso que ele proporcionaria.
Segundo Cohen, um dos seus
pacientes perdeu o emprego
por conta do uso das pílulas para emagrecimento. Ele trabalhava como motorista de caminhão quando foi submetido a
um teste toxicológico- prática
corriqueira nas empresas americanas-, que constatou anfetamina na sua urina.
"Tenho visto pacientes viciados nessas pílulas. Simplesmente não conseguem parar de
consumi-las", diz Cohen.
O psiquiatra Ronaldo Laranjeira, que coordena a unidade
de pesquisa em álcool e drogas
na Faculdade de Medicina da
Unifesp (Universidade Federal
de São Paulo), também relata
ter atendido vários pacientes
dependentes de anfetamina.
Um deles, conta, é uma procuradora da Justiça que está afastada do trabalho há vários anos
porque não consegue se livrar
do uso de anfetaminas.
"A fiscalização no Brasil não
tem controle, é débil. As pessoas compram até receita médica. Há muitas farmácias que
incluem no preço da fórmula
[das pílulas emagrecedoras] o
valor da receita médica", alerta.
Consumo
Um estudo divulgado em setembro pelo Escritório da ONU
sobre Drogas e Crime
(UNODC) revelou dados alarmantes sobre o mercado de anfetamínicos: o consumo mundial já supera o da cocaína e o da
heroína somados.
Em razão do resultado, a organização ressaltou os perigos
que envolvem o uso desse tipo
de substância, que costuma ser
considerada inofensiva. A pesquisa estimou que a produção
de estimulantes chegue a 500
toneladas e movimente US$ 65
bilhões por ano.
O relatório especifica que o
consumo das drogas sintéticas
permaneceu estável nos países
chamados desenvolvidos, mas
aumentou no Sudeste Asiático
e no Oriente Médio.
Segundo o presidente da entidade, Antonio Maria Costa, a
situação também é crítica nos
países latino-americanos -a
Argentina é o maior consumidor de anfetaminas do mundo e
o Brasil, o terceiro. Para combater a proliferação da droga, a
ONU lançou o programa
"Smart", que pretende difundir
informações sobre os males
causados pelas anfetaminas e
auxiliar governos de todo o
mundo a diminuir o consumo.
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