São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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Vício em remédio supera abuso de drogas ilícitas

Documento da ONU relata crescimento na dependência de drogas permitidas

Nos EUA, abuso de remédios já é maior do que o uso de cocaína, ecstasy e heroína; muitos medicamentos são obtidos de forma ilegal

Eugene Sim/Shutterstock


FLÁVIA MANTOVANI
EDITORA-ASSISTENTE DO EQUILÍBRIO
GABRIELA CUPANI
DA REPORTAGEM LOCAL

Um relatório com dados de 2009 divulgado ontem pela Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes, ligada à ONU, revela que houve um crescimento no abuso de medicamentos, que, em alguns países, tornou-se mais comum do que o consumo excessivo de drogas ilícitas como heroína, cocaína e ecstasy juntas.
Remédios como benzodiazepínicos (tranquilizantes), analgésicos opioides e anfetaminas (como os inibidores de apetite) estão entre os mais usados para esse fim -em doses acima ou para fins diferentes do recomendado. Muitos são de tarja preta, mas podem ser comprados na internet, contrabandeados ou falsificados.
Nos EUA, esse tipo de abuso é o segundo mais comum, perdendo para o vício em maconha -a principal no mundo. Segundo o relatório, naquele país 6,2 milhões de pessoas abusaram de drogas legais em 2008.
Elisaldo Carlini, diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), afirma que, apesar de não haver dados que mostrem o crescimento do abuso de drogas lícitas no Brasil, na prática isso é notado. "É um fenômeno muito perigoso porque não se pode simplesmente abolir a produção desses medicamentos. São substâncias úteis para tratar doenças, o problema é o mau uso", diz.
Carlini explica que esses remédios causam dependência e tolerância -com o tempo, é preciso aumentar a dose para ter o mesmo efeito.
Apesar de serem lícitos, esses remédios, quando usados inadequadamente, podem trazer problemas como taquicardia, hipertensão, convulsões, tremores intensos e até levar à morte. "Não é pequeno o número de overdoses por opioides", exemplifica Carlini.
"Esse abuso é reflexo do mundo em que vivemos, que valoriza a cultura do corpo, a magreza, em que as frustrações devem ser evitadas. Isso tudo combina com uso excessivo de remédios", diz o psiquiatra Arthur Guerra, do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Golpe
O documento da ONU indica ainda que tem crescido no mundo o uso de drogas conhecidas como "boa noite, Cinderela" -ou "date-rape drugs", em inglês. Trata-se de sedativos adicionados secretamente em altas doses à comida ou bebida de uma pessoa para reduzir sua habilidade de resistir à violência e de se lembrar do ocorrido depois.
Segundo a instituição, o uso dessas drogas por criminosos não é novo, mas tem evoluído à medida que eles vêm substituindo a substância mais comum -o flunitrazepam (Rohypnol), restrito por convenções internacionais- por outras mais facilmente obtidas, como o GHB e a ketamina. A ONU diz que os governos devem reunir esforços para limitar o acesso a esse tipo de droga.
O flunitrazepam, por exemplo, pode fazer a pessoa dormir por dois ou três dias seguidos e há risco de grave hipoglicemia e até de morte. O GHB provoca um coma superficial que pode durar oito horas.
Segundo Anthony Wong, chefe do Ceatox (Centro de Assistência Toxicológica), do Instituto da Criança do HC de São Paulo, o serviço recebe, em média, um caso de vítima desse golpe por semana, mas o número de afetados deve ser muito maior. "A maioria tem vergonha e não conta."
Os principais alvos são os jovens. O toxicologista recomenda jamais aceitar bebidas de desconhecidos, mas diz que muitos casos envolvem amigos e até parentes do paciente.


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