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Aos 13 anos, ela dribla o preconceito
Emelly Godinho, que tem grave ressecamento da pele, conta que não precisa mais trocar doces por companhia na escola
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Para acabar com a falta de
amigos na escola, Emelly dava
uma bala por dia a uma colega
e, em troca, garantia companhia durante os intervalos.
Ela nasceu com hiperqueratose epidermolítica, um tipo de
ictiose, doença congênita que
modifica a reprodução das células da pele. No problema da
garota, a troca de pele é mais
acelerada, o que causa ressecamento e engrossamento exacerbado da cútis, descamação e
bolhas. Distribuir doces durante aquela primeira série era, então, a solução temporária para a
distância que os outros alunos
mantinham por causa de sua
doença permanente -a hiperqueratose não tem cura.
Emelly Godinho Martins,
hoje com 13 anos, tinha receio
de sair de casa. "Achava que era
a única no mundo com o problema, todos me encaravam",
conta. Ainda assim, tentava disfarçar com seu jeito espontâneo. A direção da escola que
chegou a rejeitar sua matrícula
por causa do problema de pele,
sugerindo um colégio para
crianças com necessidades especiais, rendeu-se à esperteza
da menina. "Depois me disseram que aprendiam com ela",
diz a autônoma Marli Godinho
da Silva, 42, orgulhosa da filha.
Foi nessa época, quando tinha sete anos, que Emelly participou de seu primeiro acampamento, em Pindamonhangaba (SP). Como sempre acontece na primeira viagem "independente" de um filho, o programa deixou a mãe insone,
mas o drama ficou em São Paulo. Emelly adorou o show de talentos, as festas à fantasia e, sobretudo, disputar quem desenharia as sobrancelhas da recém-amiga que tinha alopecia.
Batizado de Dermacamp, o
evento foi criado em 2001 especialmente para crianças com
problemas dermatológicos. "As
doenças de pele são mais sérias
em crianças do que em adultos,
pois nelas a pele é um órgão
maior proporcionalmente, e a
doença as leva mais facilmente
a sofrer preconceito", diz o dermatologista Samuel Mandelbaum, criador e coordenador
do programa.
O acampamento reúne
crianças para que elas aprendam a ser independentes. "É
um superavanço, porque, em
um país onde o que predomina
é a estética, você aprende a valorizar o que tem por dentro",
afirma Emelly, sempre eloqüente e em tom de veterana
-já participou de cinco Dermacamps desde então e se prepara
para mais um, em novembro.
A garota lembra a troca de
cremes, que acontece sempre
após o banho. É o momento de
testar fragrâncias e texturas,
partilhar dicas de uso e receber
um trato especial dos amigos.
Essa troca a ajuda a escolher os
próprios produtos. Como gasta
um frasco de hidratante a cada
três dias -precisa aplicá-lo três
vezes por dia-, ela tem de conhecer opções razoáveis mais
baratas. "Uma vez, receitaram-me um cosmético caríssimo.
Perguntei se era só para meu
dedo ou se tinham reparado no
tamanho do meu corpo."
Já que a família não tem condições de arcar com os custos
do uso exclusivo de dermocosméticos, a solução foi mesclá-lo
com hidratantes comuns.
Emelly também adquiriu
uma técnica para manter a pele
cheirosa e tratada quando sai
com as amigas. Como os produtos mais específicos não têm
fragrância proeminente, ela
carrega um "creminho cheiroso" para passar em locais estratégicos. E também não dispensa um perfume. Mas a pele não
arde com o álcool? "É claro que
sim, mas tem de arder, todo sacrifício pela beleza."
Como parte do tratamento,
ainda toma acicretina, remédio
que controla a reprodução das
células da pele, e a auto-estima
no topo. "Aprendi com meus
amigos do "Derma" que, se as
pessoas não querem ser minhas amigas, que não me façam
mal", diz, referindo-se às ofensas que costumava ouvir na escola e em seu condomínio, em
Guarulhos. Nada menos do que
"a cobra" e "a cascão".
Nos Estados Unidos, a referência para comparação sugerida pelos grupos de apoio é diferente. "São chamadas por lá de
"crianças-borboleta", em uma
alusão ao que oferecem interiormente, como se tivessem
de sair do seu casulo", resume o
pai, o analista de sistemas Luiz
Carlos Martins, 41.
Emelly passa o tempo desenhando mangás. Ela gosta mesmo "de criar um mundinho no
qual possa fazer todo tipo de
feitiço". Já contou a história de
uma menina que viaja para o
ano 3000. Se tivesse a mesma
oportunidade de sua criatura,
faz questão de dizer, além de
um cientista bonitão -item
"importantíssimo"-, traria toda tecnologia para tratamento
de pele em crianças.
Sair com as amigas virou rotina. "Ah, agora ninguém me
segura mais em casa." Na turminha, está a garota que ganhou os dropes seis anos atrás.
"Fiquei surpresa ao perceber
que não precisava mais lhe dar
bala, pois continuou minha
amiga pelo que eu sou", alegra-se Emelly, que, claramente, já
deixou há tempos sua crisálida.
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