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Falta de vitamina D eleva risco de falha de memória
Deficiência do nutriente em idosos causa o dobro de chances de danos cognitivos
Carência da substância, cuja
principal fonte é o sol,
também está relacionada a risco aumentado de quedas e fraturas na terceira idade
CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL
A falta de vitamina D, cuja
principal fonte é o sol, eleva o
risco de déficit cognitivo em
idosos, revela um estudo das
universidades de Cambridge e
de Michigan com 2.000 pessoas com 65 anos ou mais. É a
primeira vez que essa ligação é
demonstrada em uma pesquisa
científica de larga escala.
O déficit cognitivo, caracterizado por falhas de memória e
de processamento das informações, é um dos principais fatores de risco para a demência.
Durante o estudo, publicado
ontem no "Journal of Geriatric
Psychology and Neurology", foram medidos os níveis de vitaminas e das funções cognitivas.
Os pesquisadores verificaram que, quanto menores os níveis de vitamina D, maiores são
as taxas de déficit cognitivo. Os
idosos que tinham deficiência
de vitamina D, quando comparados com aqueles que apresentavam bons níveis desse nutriente, apresentaram o dobro
de chances de danos cognitivos.
Historicamente, a deficiência de vitamina D em idosos
tem sido relacionada a risco aumentado de quedas e fraturas.
Esse nutriente, que já existe no
organismo e é "acordado" pelo
sol, é responsável pela absorção
de cálcio, essencial para o desenvolvimento dos ossos.
"Nós não sabemos exatamente como a vitamina D afeta
o sistema cognitivo, mas outros
estudos menores já sugeriram
uma relação entre a função
mental e a vitamina D. Também sabemos que ela atua na
regulação do metabolismo e na
proteção do sistema autoimune. Então, é possível que ela tenha um efeito neuroprotetor e
que, inclusive, exerça um papel
reparador do cérebro", disse à
Folha Iain Lang, professor da
Península Medical School e um
dos autores do estudo.
Lang explica que a maioria
das pessoas consegue obter vitamina D suficiente por meio
do sol, mas que em idosos e negros a absorção desse micronutriente é menor. "Isso pode
acontecer inclusive no Brasil,
um país bem mais ensolarado
do que a Inglaterra", comenta o
pesquisador, citando dados de
um estudo brasileiro.
A pesquisa mencionada por
Lang foi desenvolvida pela
UFRS (Universidade Federal
do Rio Grande do Sul), em
2005, com 102 idosos de duas
clínicas geriátricas de Porto
Alegre. O trabalho constatou
que 85% deles tinham deficiência de vitamina D.
Lang defende que os médicos
estejam atentos para a necessidade de suplementação do nutriente, por meio de alimentos
-como salmão e atum- ou de
compostos vitamínicos.
"Pessoas com maior dano
cognitivo têm mais chances de
desenvolver demência. Identificar caminhos que nos levem a
diminuir os níveis de demência
é a chave para os serviços de
saúde de todo o mundo."
Relação
O geriatra Eduardo Ferrioli,
da USP de Ribeirão Preto, explica que os neurônios do sistema nervoso central possuem
receptores para a vitamina D.
Alguns pequenos estudos anteriores, segundo ele, já sugeriram que maiores níveis de vitamina D poderiam exercer um
efeito neuroprotetor, melhorando os níveis de cognição.
"O mecanismo dessa proteção pode ser múltiplo, incluindo o estímulo à produção de
neurotrofinas, modulação da
produção de óxido nítrico ou
mesmo redução da produção
de citocinas inflamatórias, que
parecem estar relacionadas à
doença de Alzheimer."
O problema, segundo ele, é
que nesse tipo de estudo (sem
acompanhamento a longo prazo), não é possível estabelecer a
relação de causa e efeito. "Os fatos estão relacionados, mas será que pessoas com pior cognição acabam com menores níveis de vitamina D ou pessoas
com menores níveis de vitamina D desenvolvem déficits de
cognição?", questiona ele.
Ferrioli continua: "Pode ser,
por exemplo, que pessoas com
menores níveis de cognição se
exponham menos ao sol ou comam menos alimentos ricos
em vitamina D e acumulem
menores níveis dessa vitamina,
sem que haja uma relação causal com o déficit cognitivo."
Para a neuropsicóloga Jacqueline Abrisqueta-Gomes,
pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o estudo inglês é importante porque pode representar
uma peça a mais no entendimento dos perfis neuropsicológicos que levam ao déficit cognitivo. "Até pouco tempo atrás,
não sabíamos, por exemplo,
que o diabetes interfere na cognição. Agora, sabemos que o paciente diabético tem baixo nível de memória."
O psiquiatra Cassio Bottino,
coordenador do Proter (Projeto Terceira Idade) do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas de São Paulo, afirma
que o déficit de vitamina D na
população idosa está normalmente associado a problemas
ósseos, causados pela má absorção de cálcio, e que desconhece outros estudos que associem essa deficiência a problemas de cognição.
"É realmente algo novo, que
merece ser mais bem investigado e replicado em outras populações para saber se a mesma
relação existe."
Segundo ele, fatores genéticos, baixa escolaridade e doenças como hipertensão e diabetes (que podem causar lesões
vasculares no cérebro), além do
próprio processo de envelhecimento, aumentam o risco de
déficit cognitivo dos idosos.
"Muitas vezes, intervenções
muito baratas, como orientar
os idosos para uma vida mais
saudável, têm demonstrado
efeitos muito benéficos."
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