São Paulo, terça-feira, 27 de janeiro de 2009

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Falta de vitamina D eleva risco de falha de memória

Deficiência do nutriente em idosos causa o dobro de chances de danos cognitivos

Carência da substância, cuja principal fonte é o sol, também está relacionada a risco aumentado de quedas e fraturas na terceira idade

CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

A falta de vitamina D, cuja principal fonte é o sol, eleva o risco de déficit cognitivo em idosos, revela um estudo das universidades de Cambridge e de Michigan com 2.000 pessoas com 65 anos ou mais. É a primeira vez que essa ligação é demonstrada em uma pesquisa científica de larga escala.
O déficit cognitivo, caracterizado por falhas de memória e de processamento das informações, é um dos principais fatores de risco para a demência.
Durante o estudo, publicado ontem no "Journal of Geriatric Psychology and Neurology", foram medidos os níveis de vitaminas e das funções cognitivas.
Os pesquisadores verificaram que, quanto menores os níveis de vitamina D, maiores são as taxas de déficit cognitivo. Os idosos que tinham deficiência de vitamina D, quando comparados com aqueles que apresentavam bons níveis desse nutriente, apresentaram o dobro de chances de danos cognitivos.
Historicamente, a deficiência de vitamina D em idosos tem sido relacionada a risco aumentado de quedas e fraturas. Esse nutriente, que já existe no organismo e é "acordado" pelo sol, é responsável pela absorção de cálcio, essencial para o desenvolvimento dos ossos.
"Nós não sabemos exatamente como a vitamina D afeta o sistema cognitivo, mas outros estudos menores já sugeriram uma relação entre a função mental e a vitamina D. Também sabemos que ela atua na regulação do metabolismo e na proteção do sistema autoimune. Então, é possível que ela tenha um efeito neuroprotetor e que, inclusive, exerça um papel reparador do cérebro", disse à Folha Iain Lang, professor da Península Medical School e um dos autores do estudo.
Lang explica que a maioria das pessoas consegue obter vitamina D suficiente por meio do sol, mas que em idosos e negros a absorção desse micronutriente é menor. "Isso pode acontecer inclusive no Brasil, um país bem mais ensolarado do que a Inglaterra", comenta o pesquisador, citando dados de um estudo brasileiro.
A pesquisa mencionada por Lang foi desenvolvida pela UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), em 2005, com 102 idosos de duas clínicas geriátricas de Porto Alegre. O trabalho constatou que 85% deles tinham deficiência de vitamina D.
Lang defende que os médicos estejam atentos para a necessidade de suplementação do nutriente, por meio de alimentos -como salmão e atum- ou de compostos vitamínicos.
"Pessoas com maior dano cognitivo têm mais chances de desenvolver demência. Identificar caminhos que nos levem a diminuir os níveis de demência é a chave para os serviços de saúde de todo o mundo."

Relação
O geriatra Eduardo Ferrioli, da USP de Ribeirão Preto, explica que os neurônios do sistema nervoso central possuem receptores para a vitamina D. Alguns pequenos estudos anteriores, segundo ele, já sugeriram que maiores níveis de vitamina D poderiam exercer um efeito neuroprotetor, melhorando os níveis de cognição.
"O mecanismo dessa proteção pode ser múltiplo, incluindo o estímulo à produção de neurotrofinas, modulação da produção de óxido nítrico ou mesmo redução da produção de citocinas inflamatórias, que parecem estar relacionadas à doença de Alzheimer."
O problema, segundo ele, é que nesse tipo de estudo (sem acompanhamento a longo prazo), não é possível estabelecer a relação de causa e efeito. "Os fatos estão relacionados, mas será que pessoas com pior cognição acabam com menores níveis de vitamina D ou pessoas com menores níveis de vitamina D desenvolvem déficits de cognição?", questiona ele.
Ferrioli continua: "Pode ser, por exemplo, que pessoas com menores níveis de cognição se exponham menos ao sol ou comam menos alimentos ricos em vitamina D e acumulem menores níveis dessa vitamina, sem que haja uma relação causal com o déficit cognitivo."
Para a neuropsicóloga Jacqueline Abrisqueta-Gomes, pesquisadora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), o estudo inglês é importante porque pode representar uma peça a mais no entendimento dos perfis neuropsicológicos que levam ao déficit cognitivo. "Até pouco tempo atrás, não sabíamos, por exemplo, que o diabetes interfere na cognição. Agora, sabemos que o paciente diabético tem baixo nível de memória."
O psiquiatra Cassio Bottino, coordenador do Proter (Projeto Terceira Idade) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, afirma que o déficit de vitamina D na população idosa está normalmente associado a problemas ósseos, causados pela má absorção de cálcio, e que desconhece outros estudos que associem essa deficiência a problemas de cognição.
"É realmente algo novo, que merece ser mais bem investigado e replicado em outras populações para saber se a mesma relação existe."
Segundo ele, fatores genéticos, baixa escolaridade e doenças como hipertensão e diabetes (que podem causar lesões vasculares no cérebro), além do próprio processo de envelhecimento, aumentam o risco de déficit cognitivo dos idosos.
"Muitas vezes, intervenções muito baratas, como orientar os idosos para uma vida mais saudável, têm demonstrado efeitos muito benéficos."


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