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ANÁLISE
Toxinas podem estar ligadas ao autismo?
NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES"
O autismo foi identificado
pela primeira vez em 1943, por
uma publicação médica obscura. Desde então, tornou-se um
problema assustadoramente
comum, e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças
dos EUA recentemente reportaram que distúrbios assemelhados ao autismo hoje afetam
quase 1% das crianças do país.
Ao longo das últimas décadas, outros distúrbios de desenvolvimento também parecem ter proliferado, bem como
certas variedades de câncer, em
crianças e adultos. Por quê?
Ninguém sabe ao certo. E a despeito do custo financeiro e humano desses problemas, eles
provavelmente não seriam
muito discutidos na conferência de cúpula sobre saúde promovida pela Casa Branca.
No entanto, constituem
grandes fardos para a saúde do
país, e crescem as suspeitas de
que a responsabilidade pelo
problema possa caber a produtos químicos presentes no meio
ambiente. Um artigo que será
publicado na próxima edição
da revista médica "Current
Opinion in Pediatrics" e acaba
de ser postado on-line torna explícita essa possibilidade.
O artigo menciona "estudos
historicamente importantes e
pioneiros em termos de prova
de conceito que vinculam o autismo à exposição ambiental
antes do parto". O texto acrescenta que "existe alta probabilidade" de que muitos produtos
químicos "tenham a capacidade de causar lesões ao cérebro
em desenvolvimento e de produzir distúrbios neurológicos
de desenvolvimento".
O autor não é um resmungão
alternativo qualquer, mas sim
Philip Landrigan, professor de
pediatria na Mount Sinai
School of Medicine, em Nova
York, e diretor do departamento de medicina preventiva daquela instituição. Embora seu
artigo contenha inúmeras ressalvas, Landrigan me disse que
está cada vez mais certo de que
o autismo e outras doenças resultam, em parte, do impacto
de produtos químicos presentes no meio ambiente sobre o
cérebro em formação.
"O cerne da questão é o desenvolvimento do cérebro", ele
disse. "Caso bebês fiquem expostos, no ventre ou logo depois de nascer, a produtos químicos capazes de interferir no
desenvolvimento cerebral, as
consequências podem ser vitalícias", diz Landrigan.
A preocupação quanto à presença de toxinas no meio ambiente costumava ser uma visão extremada. Mas agora se
tornou parte das correntes
mais convencionais de pensamento médico. Toxicólogos,
endocrinologistas e oncologistas parecem estar entre os especialistas mais preocupados.
Uma incerteza é determinar
em que medida os avanços registrados na incidência de autismo refletem uma mudança
de diagnóstico para um problema que no passado poderia ter
sido diagnosticado como retardamento mental.
Existem componentes genéticos no autismo, como o fato
de gêmeos idênticos terem
mais probabilidade de compartilhar a doença do que gêmeos
fraternos, mas a genética explica apenas cerca de um quarto
dos casos de autismo.
Exposição a remédios
A suspeita de toxinas surgiu
em parte porque estudos constataram que uma parcela desproporcional de crianças desenvolve autismo depois de exposição pré-natal a medicamentos como o sedativo talidomida, o remédio contra úlceras
misoprostol e o anticonvulsivo
ácido valproico.
Das crianças filhas de mulheres que usaram ácido valproico
no início de suas gestações, 11%
são autistas. Em cada um dos
casos, os fetos parecem mais
vulneráveis a esses medicamentos no primeiro trimestre
de gestação e, em determinados casos, nas primeiras semanas após a concepção.
Assim, em nosso esforço por
melhorar o sistema de saúde,
seria também prudente limitar
os riscos dos produtos químicos que nos cercam. O senador
Frank Lautenberg, de Nova
Jersey, está redigindo um projeto de lei muito necessário que
tornaria mais rigorosa a Lei de
Controle de Substâncias Tóxicas. O trabalho está avançando
apesar de o próprio senador ter
recebido um recente diagnóstico de câncer, e poderá ser considerado como parte do pacote
de reforma da saúde.
O senador Lautenberg afirma que, sob as leis existentes,
dos 80 mil produtos químicos
atualmente registrados nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental até o momento só solicitou testes de segurança de 200 deles. "Nossas
crianças se tornaram cobaias
de teste", afirmou.
Um estudo científico publicado neste ano pela revista
"Environmental Health Perspectives" oferece um vislumbre
dos riscos. Pesquisadores mediram a presença de ftalatos,
uma categoria suspeita de produto químico, na urina de mulheres grávidas. Entre as mulheres que exibiam nível mais
elevado de determinados ftalatos (os encontrados comumente em fragrâncias, xampus, cosméticos e esmaltes de unha), a
probabilidade de que seus filhos exibissem distúrbios de
comportamento anos mais tarde era mais elevada.
Francamente, é difícil para
um jornalista escrever sobre
questões desse tipo. As provas
são técnicas, fragmentárias e
conflitantes, e existe o perigo
de criar sensacionalismo com
relação aos riscos. A divulgação
dos temores de que vacinas
causem autismo, uma teoria
agora desacreditada, talvez tenha tido a catastrófica consequência de reduzir o nível de
vacinação nos Estados Unidos.
Por outro lado, no caso de alguns dos grandes riscos de saúde da era moderna (mercúrio,
chumbo, amianto), os jornalistas demoraram demais a fazer
denúncias. Na saúde pública, a
imprensa tem agido mais como
acólita do que como fiscal.
Em um momento no qual
muitos norte-americanos continuam a usar recipientes plásticos para levar alimentos ao
micro-ondas, de um modo que
causa susto aos toxicólogos,
precisamos de pesquisa acelerada, regulamentação e proteção ao consumidor.
"Existem doenças que estão
em alta na população sem que
tenhamos causas conhecidas",
disse Alan Goldberg, professor
de toxicologia na Escola
Bloomberg de Saúde Pública da
Universidade Johns Hopkins.
"Câncer de mama, câncer de
próstata e autismo são três
exemplos. O potencial é de que
essas doenças estejam em ascensão devido à presença de
produtos químicos no meio
ambiente", afirma Goldberg.
O princípio da cautela sugere
que deveríamos nos precaver
quanto a produtos pessoais,
tais como fragrâncias, a menos
que tragam um selo que os
marque como livres de ftalatos.
E faz sentido especialmente
para as crianças e mulheres
grávidas evitar a maioria dos
plásticos que tragam no fundo
as marcas 3, 6 e 7, porque são
eles os associados às toxinas
potencialmente prejudiciais.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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