São Paulo, sábado, 29 de agosto de 2009

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Novo código de ética proíbe médico de vender remédio

Prática é comum em consultórios dermatológicos e de reprodução assistida

Profissionais não serão proibidos de receber brindes da indústria farmacêutica, mas terão que revelar esse conflito de interesses


CLÁUDIA COLLUCCI
DA REPORTAGEM LOCAL

O novo Código de Ética Médica, que será aprovado hoje pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), veta a participação de médicos em consórcios para realização de procedimentos, como cirurgias plásticas. Eles também estão proibidos de obter vantagens financeiras pela comercialização de medicamentos, órteses e próteses.
Hoje, é comum a venda de medicamentos e de outros produtos em várias áreas da medicina, como em clínicas de reprodução assistida ou em consultórios dermatológicos.
Muitos médicos, especialmente das áreas de cirurgia cardiovascular, cirurgia plástica, neurocirurgia, oftalmologia e ortopedia, também recebem comissões da indústria por indicarem seus produtos.
Segundo um ortopedista de São Paulo, que pediu para não ser identificado, o custo do material usado em uma cirurgia de coluna, por exemplo, varia entre R$ 20 mil e R$ 100 mil. A comissão de alguns médicos para a indicação de determinada prótese ou implante, por exemplo, seria de 10% a 20% do valor do produto comercializado.
O novo código de ética não vai proibir que os médicos recebam brindes ou viajem bancados pela indústria farmacêutica, mas determinará que eles revelem esse conflito de interesse antes de apresentações em congressos, por exemplo, e em publicações científicas.
"Não dá para colocar um artigo dizendo que é proibido um professor ser garoto propaganda da indústria farmacêutica. Se a pessoa declara que é paga pela indústria farmacêutica, quem faz o julgamento é quem a ouve", diz Roberto D'Ávila, coordenador da comissão responsável pela revisão do Código de Ética Médica.
Para ele, o caminho é tornar transparentes essas relações conflituosas. "De qualquer forma, foi um avanço nessa discussão que, até então era muito escamoteada, muito hipócrita. E o paciente é o único prejudicado nessa relação conflituosa", reforça D'Ávila.
O conselheiro Ylmar Corrêa Neto, também membro da comissão, lembra que o conflito de interesse é um assunto antigo na história da medicina - a primeira citação, de Aristóteles, data de 2.500 anos atrás- e não necessariamente configura uma infração ética. Um subsídio para um congresso médico, por exemplo, em que o profissional vai se atualizar e poderá reverter isso em benefício do paciente, não seria antiético.
"O interesse deve ser sempre a saúde do paciente. Quando há um desvio para o interesse secundário, passa a ser corrupção médica", explicou Corrêa Neto, durante conferência anteontem em São Paulo.
No evento, o médico Luiz Roberto Londres, diretor-presidente da Clínica São Vicente, no Rio, foi enfático em dizer que a corrupção médica está "galopante" e que os médicos são os maiores responsáveis por essa situação. "Perdemos a noção do que é ético. Os médicos têm que decidir de que lado estão: do ser humano ou dos negócios."
O conflito de interesse foi um dos temas centrais nas discussões sobre a mudança do novo código, que começaram na última terça-feira e terminam hoje em São Paulo. Foram dois anos de debates com diversas entidades e especialistas e a análise de 2.575 sugestões encaminhadas por médicos e outras entidades.
Muitas das novas decisões sobre conflito de interesse já constam em resoluções do CFM, mas não estavam no código de ética, cuja última versão foi editada em 1988. "O código é a nossa carta magna. Todos os artigos que constam nele têm mais força de fiscalização e de sanção", explica o médico Clóvis Constantino, membro da diretoria do CFM.

Outros temas
O novo código de ética também deve tratar da autonomia do paciente e do médico. Os riscos e os benefícios de um determinado tratamento, por exemplo, devem ser esclarecidos de forma clara ao paciente e a decisão de fazê-lo ou não deve ser tomada em conjunto.
O termo de consentimento informado também foi bastante debatido. "Ele tem quer um instrumento que proteja o paciente, não o médico", afirma Clóvis Constantino.
Outro conceito que entrará pela primeira vez no código são os cuidados paliativos. "Alguns artigos vão mostrar aos médicos que eles têm o dever de oferecer os cuidados paliativos a pacientes críticos", diz ele.


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