São Paulo, domingo, 29 de agosto de 2010

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ENTREVISTA ARNALDO CAMBIAGHI

Não é certo esperar até que a religião se ajuste à fertilização

Especialista em reprodução diz que questões de fé fazem parte da consulta médica

Letícia Moreira/Folhapress
O médico Arnaldo Cambiaghi em seu consultório, em SP

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

Na reprodução assistida, o conflito entre ciência e fé passa de discussão acadêmica a uma questão da vida privada. Regras religiosas podem ser um complicador a mais na já difícil decisão de se submeter a tratamentos complexos e caros.
O ginecologista Arnaldo Cambiaghi, autor de "Os Tratamentos de Fertilização e as Religiões", acredita que é possível conciliar os ensinamentos religiosos com as técnicas reprodutivas e que um maior entendimento das questões espirituais é o caminho para isso.
Leia a seguir trechos de sua entrevista

 

Folha - Como a religião entra no consultório?
Arnaldo Cambiaghi - Quando o médico discute o tratamento não apenas sob o ponto de vista da lei e da ética médica, mas também levando em consideração as regras da crença do paciente.

O que significa o termo "biorreligião", citado em seu livro?
É uma analogia à bioética e ao biodireito. Essas áreas tratam, por exemplo, da doação de sêmen ou dos direitos sobre o embrião congelado. Mas algumas religiões não permitem o congelamento do embrião, às vezes nem a colheita do sêmen.

As regras variam muito nas diferentes religiões?
Variam bastante. O catolicismo é a religião mais rigorosa em relação à reprodução assistida, proíbe quase a totalidade dos tratamentos.
Em outras religiões monoteístas, como o judaísmo, islamismo e protestantismo, as regras são diferentes.

E quando a proibição é definitiva, não há acordo?
O médico pode fazer ajustes de procedimentos. Se não se permite congelamento de embrião, pode fertilizar o mínimo de óvulos, para evitar embriões excedentes.
Se precisa fazer um exame do esperma e a masturbação não é aceita, o médico pode usar um tipo de preservativo especial para colher o material. Dá para tentar conciliar. O que não dá é para interferir nas crenças do casal.

Então, como fazer fertilização in vitro em católicos?
A Igreja já mudou suas posições, algumas coisas que não eram aceitas no passado agora são. Não sei se é certo esperar até que as regras da religião se ajustem às questões da fertilização in vitro.
Se um casal não pode ter filhos e não quer adotar, o que eles devem fazer? Serem infelizes para sempre ou se divorciar? Mas divórcio também é pecado para o catolicismo, e ser infeliz para sempre não é objetivo de nenhuma religião.

As proibições religiosas atrapalham a medicina?
A religião amarra um pouco a evolução tecnológica. Mas ajuda a evitar abusos como, por exemplo, manipulação genética.

A bioética e as leis não servem justamente para isso?
Sim, mas elas também são influenciadas pela religião. Por exemplo, nos EUA, uma mulher pode legalmente vender seus óvulos. Os americanos acham ético. No Brasil, a venda é proibida. Isso reflete as diferenças entre um país de formação protestante e um país predominantemente católico.

O senhor é religioso?
Sou católico, vou à igreja, respeito os dogmas.


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