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ENTREVISTA ARNALDO CAMBIAGHI
Não é certo esperar até que a religião se ajuste à fertilização
Especialista em reprodução diz que questões de fé fazem parte da consulta médica
Letícia Moreira/Folhapress
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O médico Arnaldo Cambiaghi em seu consultório, em SP
IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO
Na reprodução assistida, o
conflito entre ciência e fé
passa de discussão acadêmica a uma questão da vida privada. Regras religiosas podem ser um complicador a
mais na já difícil decisão de
se submeter a tratamentos
complexos e caros.
O ginecologista Arnaldo
Cambiaghi, autor de "Os Tratamentos de Fertilização e as
Religiões", acredita que é
possível conciliar os ensinamentos religiosos com as técnicas reprodutivas e que um
maior entendimento das
questões espirituais é o caminho para isso.
Leia a seguir trechos de
sua entrevista
Folha - Como a religião entra
no consultório?
Arnaldo Cambiaghi -
Quando o médico discute o
tratamento não apenas sob o
ponto de vista da lei e da ética médica, mas também levando em consideração as
regras da crença do paciente.
O que significa o termo "biorreligião", citado em seu livro?
É uma analogia à bioética
e ao biodireito. Essas áreas
tratam, por exemplo, da doação de sêmen ou dos direitos
sobre o embrião congelado.
Mas algumas religiões não
permitem o congelamento
do embrião, às vezes nem a
colheita do sêmen.
As regras variam muito nas
diferentes religiões?
Variam bastante. O catolicismo é a religião mais rigorosa em relação à reprodução
assistida, proíbe quase a totalidade dos tratamentos.
Em outras religiões monoteístas, como o judaísmo, islamismo e protestantismo, as
regras são diferentes.
E quando a proibição é definitiva, não há acordo?
O médico pode fazer ajustes de procedimentos. Se não
se permite congelamento de
embrião, pode fertilizar o mínimo de óvulos, para evitar
embriões excedentes.
Se precisa fazer um exame
do esperma e a masturbação
não é aceita, o médico pode
usar um tipo de preservativo
especial para colher o material. Dá para tentar conciliar.
O que não dá é para interferir
nas crenças do casal.
Então, como fazer fertilização
in vitro em católicos?
A Igreja já mudou suas posições, algumas coisas que
não eram aceitas no passado
agora são. Não sei se é certo
esperar até que as regras da
religião se ajustem às questões da fertilização in vitro.
Se um casal não pode ter
filhos e não quer adotar, o
que eles devem fazer? Serem
infelizes para sempre ou se
divorciar? Mas divórcio também é pecado para o catolicismo, e ser infeliz para sempre não é objetivo de nenhuma religião.
As proibições religiosas atrapalham a medicina?
A religião amarra um pouco a evolução tecnológica.
Mas ajuda a evitar abusos como, por exemplo, manipulação genética.
A bioética e as leis não servem justamente para isso?
Sim, mas elas também são
influenciadas pela religião.
Por exemplo, nos EUA, uma
mulher pode legalmente
vender seus óvulos. Os americanos acham ético. No Brasil, a venda é proibida. Isso
reflete as diferenças entre um
país de formação protestante
e um país predominantemente católico.
O senhor é religioso?
Sou católico, vou à igreja,
respeito os dogmas.
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