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Transplante de rim passa a ser opção para soropositivos
Sobrevida após um ano é similar à das pessoas sem o vírus, de acordo com levantamento da Johns Hopkins, nos EUA
Brasil já fez ao menos sete transplantes em pacientes com HIV; seis mostraram resultados satisfatórios e um teve rejeição ao enxerto
FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Pacientes soropositivos que
estão em hemodiálise por causa de falência renal já podem
entrar para a lista de candidatos a receber um transplante de
rim. Tradicionalmente essas
pessoas eram excluídas da fila
de transplantes porque se acreditava que a sobrevida após a cirurgia seria muito baixa -o que
não justificaria o risco. Até então, os especialistas não sabiam
como o organismo do paciente
reagiria à interação entre os antirretrovirais e os imunossupressores (usados na recuperação após o transplante).
Essa realidade começou a
mudar no Brasil nos últimos
dois anos, especialmente por
causa da evolução dos medicamentos usados no tratamento
da Aids -que aumentaram significativamente a sobrevida
desses pacientes. Nesse período, o país realizou ao menos sete transplantes de rim em pessoas com HIV -seis tiveram
resultados satisfatórios e uma
rejeitou o enxerto. O primeiro
transplante do tipo no mundo
foi realizado em 2000.
Dos sete transplantes realizados, quatro foram feitos no
Hospital do Rim e Hipertensão
da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Segundo o
nefrologista José Medina Pestana, diretor do hospital e chefe
da central de transplantes do
Hospital São Paulo, a partir do
momento em que a Aids passou
a ser uma doença controlável,
não existe mais razão para não
indicar esses pacientes para o
transplante. "Antes não sabíamos como esses pacientes
iriam evoluir, mas hoje sabemos que as chances são boas."
Sobrevida similar
Para avaliar se, de fato, o
transplante seria uma boa opção para pacientes soropositivos, pesquisadores da Escola de
Medicina da Johns Hopkins
University (EUA) compararam, um ano após a cirurgia, os
resultados de transplantes feitos em 36.492 pacientes com os
de cem pessoas com HIV. Os
dados foram retirados do registro americano de transplante.
Eles constataram que a sobrevida é similar nos dois grupos, o que aumenta a esperança
de quem está com os rins paralisados: pacientes sem HIV tiveram uma taxa de sobrevivência de 94,6%, contra 87,9% nas
pessoas com o vírus. Os resultados foram publicados na revista "Archives of Surgery".
Acompanhamento
O pesquisador Jayme Locke,
autor do estudo, disse à Folha
que os resultados mostram que
é possível fazer o transplante
nesses pacientes, desde que o
acompanhamento seja adequado. "Nossos resultados demonstram que, se você identifica os fatores de risco, seleciona um bom doador e acompanha a interação dos medicamentos, as chances de dar certo são enormes."
Locke ressaltou, porém, que
nem todos os pacientes com
Aids e problemas renais têm
indicação para o transplante.
"O fato de ser soropositivo sozinho não é fator determinante
para ser um candidato a um
transplante. Antes é preciso
passar por uma extensa análise
com avaliação médica e psicológica", afirmou.
Para o nefrologista Emmanuel de Almeida Burdmann,
presidente da SBN (Sociedade
Brasileira de Nefrologia) e professor da Famerp (Faculdade
de Medicina de São José do Rio
Preto), o grande avanço é que o
fato de um paciente ser HIV
positivo não é mais uma contraindicação absoluta para o
transplante. "A Aids deixou de
ser considerada uma doença
grave e passou a ser vista como
uma doença crônica", afirmou.
A nefrologista Irene Noronha, professora e responsável
pelo Laboratório de Nefrologia
Celular e Molecular da Faculdade de Medicina da USP, publicou recentemente um relato
de caso de um paciente soropositivo, de 61 anos, que passou
por um transplante de rim.
"Tivemos alguns problemas
no começo por causa da interação entre os medicamentos antirretrovirais e os imunossupressores, mas conseguimos
superar e hoje o paciente está
muito bem", diz Noronha.
Os critérios para que o paciente soropositivo seja incluído em uma fila de espera de
transplante, entretanto, não
são tão simples. "Os requisitos
mínimos para ter indicação é
estar com a carga viral negativa
[sem vírus circulante] há mais
de um ano e ter a contagem de
CD4 [linfócitos responsáveis
pela defesa do organismo]
maior que 200", explica Noronha, acrescentando que o paciente também não pode ter
outra infecção ativa e tem que
estar bem de saúde.
Para Noronha, os resultados
americanos comprovam que o
transplante de rim é uma alternativa possível de tratamento.
"Temos que abrir outras portas
em busca de novas possibilidades. Esses pacientes estão vivos
e têm o direito de ter uma qualidade de vida melhor", diz.
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