São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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HISTÓRIA

Nada acaba com esse zumbido

O fiscal de renda João Marcos Carlomagno, 55, ouve constantemente o som semelhante ao de um canto de cigarra desde os 13 anos; controlar a ansiedade o ajuda a diminuir os incômodos provocados pelo problema

Caio Guatelli/Folha Imagem
Carlomagno, que sofre de zumbido por questões emocionais

JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando tinha 13 anos, João Marcos Carlomagno começou a ouvir um som semelhante ao de um canto de cigarra bem alto. Estava na casa de um tio e reparou no barulho ao ir para a cama. Estranhou, pois era o único a escutar o som, que vinha do seu próprio ouvido.
Passados alguns dias, o incômodo desapareceu e ele se esqueceu do ocorrido. Cerca de 20 anos depois, o som voltou e persistiu por um ano, sempre aos domingos e no início da semana. "Incomodava-me a ponto de eu não conseguir dormir. No agito do dia a dia, não percebia, mas o barulho sempre aparecia à noite, quando deitava", conta. No entanto, como o som parava no restante da semana, João não se importava muito.
Somente há um ano e meio, quando o canto da cigarra -ou som de lâmpada fluorescente, como costuma comparar- veio de forma mais intensa e ininterrupta, João se sentiu abalado com o problema. "O som apareceu e ficou. A qualquer hora, eu ouvia o barulho, não conseguia me esquecer dele."
O fiscal de renda João Carlomagno, então com 53 anos, procurou um otorrinolaringologista que diagnosticou excesso de cera no ouvido. Entretanto, mesmo após a limpeza, o barulho não desapareceu. "Eu podia fazer qualquer coisa que o zumbido persistia, passou a ser algo sobre o qual não tinha controle. Não tinha remédio, e foi por isso que me desesperei."
Foi quando ele começou a procurar informações na internet e descobriu um grupo de apoio para pessoas que sofriam do problema. Nas palestras, ficou sabendo que o zumbido poderia ocorrer por excesso de cafeína e retirou o café da dieta por 15 dias. "Quase morri de vontade e não adiantou nada." Surgiu, então, a dica de controlar o açúcar, pois os triglicerídeos estavam muito altos. Passou 30 dias sem comer doce, mas o som persistiu.
João decidiu buscar outro especialista, que resolveu entender um pouco melhor sua história. Com a ajuda do médico, começou a relacionar os surgimentos de zumbido com fatos importantes de sua vida. O primeiro episódio, aos 13 anos, ocorreu logo após a morte repentina de seu pai.
Quando conviveu durante um ano com o problema, sua filha acabara de nascer e a família ficava em Avaré, no interior de São Paulo, enquanto ele trabalhava a semana toda na capital. Daí a razão para o barulho começar no domingo à noite -justamente quando ele tinha de deixar Avaré e voltar para São Paulo. "Sempre tinha o fator de eu ir embora, deixar a família no interior. Ficava nervoso, tinha uma criança pequena para criar", conta.
A última crise, mais persistente e intensa, foi uma resposta proporcional aos problemas que viveu nos últimos dois anos. Em 2007, sua mulher teve câncer em uma das mamas e se submeteu a uma mastectomia. Na mesma fase, sua filha mais velha ficou deprimida por causa da doença da mãe.
Um ano depois, sua mulher desenvolveu um tumor na outra mama e, novamente, teve de passar pela mastectomia. Quinze dias depois, sua mãe sofreu um derrame cerebral, e a filha mais velha teve uma nova crise depressiva. "Comecei a não aguentar o tranco", diz.
Foi constatado, então, que o zumbido que ouvia tinha uma conexão direta com suas emoções. "A emoção é uma força e deve ser canalizada para algum lugar. Há pessoas que choram, extravasam de alguma maneira. Outras travam, engolem, e essa força vai para algum lugar. Existem órgãos-alvo para onde essas emoções vão. Alguns sofrem gastrite, outros têm dor de cabeça, outros têm zumbido", explica a otorrinolaringologista Tanit Ganz Sanchez, coordenadora do Ambulatório de Zumbido do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Há três meses, João começou a tomar antidepressivos para controlar a ansiedade. "Depois de um mês, voltei ao médico, que me perguntou sobre o zumbido. Eu lhe respondi: "Que zumbido?" O barulho continua lá, mas não está me perturbando em mais nada, estou vivendo uma ótima fase da minha vida."
Ele voltou a dançar nos fins de semana, sempre usando um tampão nos ouvidos para não aumentar o incômodo. "Conheço pessoas que já buscaram médicos, que ouviram que não tem cura e que vão ter de conviver com isso para o resto da vida. Eu digo que vão ter de conviver, mas não deve atrapalhar a vida delas."

Barulho insistente
O zumbido atinge cerca de 17% da população brasileira em geral e 30% dos idosos e pode ser desencadeado por mais de 200 fatores diferentes. É caracterizado por um som aberrante, percebido quando não há uma fonte sonora externa.
De acordo com Sanchez, os sons ouvidos normalmente são comparados a chiados, apito, canto de cigarra, panela de pressão, cachoeira, escape de ar, grilos, zunido de abelha e chuva. "O zumbido é um barulho no ouvido mais fácil de perceber na hora de dormir", afirma Sanchez.


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