São Paulo, terça-feira, 30 de dezembro de 2008

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Mulheres demoram mais a largar cigarro, diz pesquisa

Estudo foi feito com 6.000 pacientes do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo

Fumo mascara sintomas de depressão, mais freqüentes no sexo feminino, e acaba sendo usado por elas como uma fuga do problema

FERNANDA BASSETTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Mulheres que fumam têm mais dificuldade para abandonar o vício porque são mais dependentes psicologicamente do cigarro, aponta um levantamento realizado com 6.000 pacientes que fizeram tratamento no GAT (Grupo de Apoio ao Tabagista) do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo.
De acordo com a psiquiatra Célia Lídia da Costa, coordenadora do GAT e autora da pesquisa, isso acontece porque as mulheres têm mais depressão do que os homens e, por isso, estão mais sujeitas aos sintomas de ansiedade.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a depressão atinge duas mulheres para cada homem.
"A mulher normalmente enxerga o cigarro como um remédio, como uma fuga. Ela tem necessidade de fumar para resolver algum problema e o cigarro acaba mascarando os sintomas da depressão. Ela tem um perfil diferente do homem, que normalmente fuma por prazer", afirma Costa.
Daí surge a principal dificuldade delas para largar o vício -pois, sem os efeitos da nicotina no cérebro, o corpo começa a sentir os sintomas da depressão. Segundo Costa, enquanto os homens param de fumar em cerca de três meses, as mulheres levam pelo menos um ano.

Tratamento diferenciado
Por isso, avalia a pesquisadora, os resultados do estudo apontam para a necessidade de uma abordagem de tratamento diferenciada, especialmente para as mulheres.
"No caso delas, é preciso tratar primeiro a depressão, depois a dependência à nicotina. Nos homens, normalmente a dependência é química, então a gente trata logo a abstinência."
A cardiologista Jaqueline Scholz Issa, diretora do Programa de Tratamento de Tabagismo do InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas de São Paulo, concorda com o tratamento diferenciado para as mulheres.
Segundo a médica, a prevalência de casos de depressão em fumantes é muito alta -estima-se que 60% das pessoas deprimidas fumem.
"As mulheres precisam ser abordadas e tratadas de forma diferenciada para que o tratamento tenha o mesmo índice de sucesso observado nos homens. Existe uma recomendação do consenso americano para tratamento do tabagismo, publicada em 2008, que considera o sexo da pessoa como fator determinante do tratamento. O InCor já adota essa medida", afirma.
Issa diz que quase 40% das mulheres que passam por tratamento para parar de fumar no InCor precisam tomar antidepressivos em algum momento. "Se elas não tomam o remédio, ficam desestimuladas a continuar o tratamento e têm recaída. Então a gente prescreve o antidepressivo para a paciente perceber que não é a falta do cigarro que causa a depressão", afirmou Issa.

Depressão mascarada
A dificuldade no tratamento de fumantes depressivos, explica Issa, surge porque a nicotina mascara os sintomas da depressão. "Quando a mulher tenta parar de fumar, ela acha que está ficando deprimida, quando na verdade ela já estava deprimida e não sabia", afirma.
Isso acontece porque o cérebro do não-fumante possui receptores de dopamina, acetilcolina e serotonina, que proporcionam sensações de prazer no corpo. Quando uma pessoa começa a fumar, a nicotina "substitui" a ação desses neurotransmissores, que deixam de ser produzidos naturalmente pelo organismo.
"O fumante fica dependente desse mecanismo artificial. A nicotina proporciona um efeito de prazer semelhante. São necessárias, no mínino, 12 semanas para que o organismo volte a produzir [neurotransmissores] naturalmente", explica Jaqueline Issa.
De acordo com ela e com Célia Costa, depois do tratamento, a neurocaptação volta ao normal em cerca de 70% dos pacientes. "Os outros 30% podem ter recaída", disse Issa.


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