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Entrevista - Mark Wilson

Governo não deve gastar com remédios sem evidência

OPINIÃO É DE PRESIDENTE DE REDE QUE AVALIOU O TAMIFLU

CLÁUDIA COLLUCCI DE SÃO PAULO

A aplicação da medicina baseada em evidências está sendo retardada porque médicos e estabelecimentos de saúde em muitos países, inclusive o Brasil, não querem ver suas experiências e julgamentos questionados.

É o que diz o inglês Mark Wilson, presidente da Cochrane Collaboration, uma rede de cientistas independentes que investiga a efetividade de remédios e que, na última semana, provocou polêmica internacional envolvendo o antiviral Tamiflu.

Uma revisão de estudos da Cochrane concluiu que a droga, indicada pelas OMS (Organização Mundial da Saúde), não evita a disseminação da gripe nem diminui complicações. Só reduz a persistência dos sintomas de sete dias para 6,3 dias em adultos.

Neste ano, a Cochrane desenvolverá uma lista de 200 assuntos prioritários para ajudar os formuladores de políticas de saúde, médicos e pesquisadores a tomar decisões com base na medicina de evidências. A seguir, trechos da entrevista à Folha.

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Folha - Uma revisão da Cochrane demonstrou a baixa eficácia do Tamiflu, mas a OMS considera o remédio essencial. Isso não provoca uma certa confusão?
Mark Wilson - A Cochrane chegou às suas conclusões sobre os benefícios e malefícios do Tamiflu com base em um esforço extraordinário de análise do nosso time. A revisão foi baseada em dados que estão disponíveis para quem quiser avaliá-los e fazer sua própria análise. Esperamos que a OMS reconsidere a sua orientação sobre o uso de Tamiflu com base nessa nossa última revisão.

Como a Cochrane quer reduzir o fosso que existe entre as pessoas comuns e as evidências em saúde?
Desenvolvemos várias ferramentas que ajudam os consumidores de saúde a ter acesso às evidências da Cochrane para que tomem decisões informadas sobre a sua saúde. Uma deles é o site http://summaries.cochrane.org, disponível em português.
Cada uma das 5.300 revisões da Cochrane tem um resumo que ajuda os leitores comuns a entender o conteúdo e as conclusões da revisão, e estamos desenvolvendo novas maneiras de fazer as implicações das opiniões mais claras e inteligíveis.

Qual é o principal desafio do estabelecimento da cultura da saúde baseada em evidências nos países em desenvolvimento, como o Brasil?
Até pouco tempo atrás, as pessoas tinham de fazer julgamentos com base em pouca evidência. É preciso tempo para as pessoas assimilarem esse novo conhecimento que sabemos ser verdadeiro. Mas o processo é demorado porque médicos e estabelecimentos de saúde em muitos países, incluindo o Brasil, não querem ver sua experiência e julgamento questionados por novas provas.
Existe uma cultura e prática da medicina baseada em eminência ("faça isso porque estou dizendo que é bom") em vez da medicina baseada em evidências ("faça isso porque está comprovado que funciona"). A melhor prática médica combina experiência e conhecimento do que está provado que funciona.

Não há evidência científica de que a homeopatia funcione, mas a especialidade é reconhecida pelos conselhos médicos no Brasil e promovida pelo Ministério da Saúde. Qual é a sua opinião?
Eu não posso falar sobre o julgamento do conselho de medicina no Brasil, mas as revisões da Cochrane sobre o assunto sugerem que não há evidências de que a homeopatia é mais eficaz do que tomar um placebo.

Qual é o peso da indústria farmacêutica na promoção da cultura do cuidado de saúde baseado em evidências? Como lutar contra essa influência?
A rede Cochrane é uma organização totalmente independente, e essa é uma das razões pelas quais consumidores, médicos e governos confiam em nós.
A indústria farmacêutica trouxe grandes avanços nos cuidados à saúde por meio de medicamentos e equipamentos que desenvolveu, mas precisamos lembrar que a principal motivação dela é ganhar dinheiro e se manter no mercado.
Está ficando mais difícil e mais caro desenvolver novas drogas que ofereçam benefícios adicionais comprovados em relação aos remédios já disponíveis. Quando há dados que mostram que novas drogas não oferecem mais benefícios do que malefícios ou que não oferecem benefício extra, há incentivo para que as empresas não compartilhem essas informações. A Cochrane acredita que sistemas e regulações devem existir para nos proteger disso.

Sistemas de saúde em todo o mundo estão enfrentando dificuldades quanto ao financiamento. A adoção da medicina baseada em evidências é uma forma de reduzir custos?
Governos e outros responsáveis pela saúde deveriam usar as evidências da Cochrane para oferecer cuidados que tenham melhor custo-benefício. Por que desperdiçar dinheiro em medicamentos, equipamentos e processos que não funcionam? Pacientes, médicos e governos deveriam se perguntar como eles sabem que determinada droga funciona e se ela tem um bom custo-benefício.


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