Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Saúde + Ciência

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Marcelo Leite

O Brasil nos tempos de El Niño

Em áreas do semiárido nordestino, a diminuição de chuvas pode alcançar até 80% do total do período chuvoso

Recebeu pouca atenção no Brasil a notícia de que 2014 tem mais de 50% de chance de se tornar um ano de El Niño. Pelo potencial de dano para o país que encerra, o fenômeno --mesmo que ainda incerto-- deveria levantar ao menos algumas sobrancelhas.

Para quem nunca ouviu falar ou não se lembra do Niño catastrófico de 1997-98: trata-se do aquecimento incomum do oceano Pacífico junto à costa oeste sul-americana, que prejudica a pesca no Chile e no Peru, em geral pela época do Natal (daí o nome em espanhol, "o Menino" [Jesus]).

Um oceano aquecido, com ventos alísios mais fracos de leste para oeste, implica mais evaporação e formação de nuvens. As tempestades características do Pacífico Central e Ocidental passam a cair também na porção oriental do oceano.

Mais que isso: toda a circulação atmosférica (ventos e chuvas) da faixa equatorial do planeta é perturbada. O Brasil não sai incólume de tamanha anomalia.

Por essas razões, estudiosos do clima monitoram de perto as temperaturas da superfície do Pacífico, por meio de boias automáticas. Com base na evolução dos dados nas últimas semanas, que mostram um aquecimento rápido, a Noaa (agência para oceanos e atmosfera dos Estados Unidos) anunciou há seis dias que o risco de El Niño a partir de julho ultrapassou 50%.

O Escritório de Meteorologia da Austrália adotou previsão mais alarmista. No dia 8, já estimava em 70% a possibilidade de ocorrer o desvio. Embora nem todo El Niño provoque estiagens naquele país, os australianos enfrentam uma das piores secas de sua história e têm motivo para se preocupar.

O mesmo seria recomendável por aqui. El Niño costuma causar muito estrago no país todo. A começar pelo Sul, onde provoca chuvas torrenciais e enchentes.

O Sudeste pode sair relativamente ileso, com ligeiro aumento de temperatura (inverno ameno e menor ocorrência de geadas), mas sem alteração significativa de chuvas. O Centro-Oeste pode ter leve aumento de precipitação, para alegria dos plantadores de grãos, soja à frente.

As boas notícias param por aí. No Norte e no Nordeste, El Niño acarreta enorme dano, com secas graves. Na Amazônia, a estiagem propicia a ocorrência e a propagação de incêndios florestais. Em Roraima, em 1997-98, cerca de 40 mil km² (o equivalente a dois Estados de Sergipe) sucumbiram às chamas.

Por coincidência, nesta semana o periódico científico americano "PNAS" publicou estudo sobre a vulnerabilidade da floresta a secas e fogo, realizado em Querência (MT). Estive presente na primeira vez em que pesquisadores brasileiros e gringos atearam fogo ao mato, em 2004. Sua conclusão é que a combinação dos dois flagelos (estiagem e incêndios) favorece a substituição da floresta fechada por um cerrado, com mais gramíneas que árvores.

A situação mais preocupante é a do Nordeste, contudo. A região mais pobre do país já padeceu, em 2012 e 2013, com a pior seca dos últimos 50 anos, segundo a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na abreviação em inglês). Em algumas áreas do semiárido, a diminuição de chuvas pode alcançar até 80% do total do período chuvoso.

O país todo vai torcer pela seleção brasileira em junho e julho. É melhor aproveitar a ocasião e torcer também, muito, contra El Niño.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página