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Fígado doado salva bebê de dois meses

Menino de Jaboticabal (SP) teve hepatite fulminante e precisou de transplante de urgência, em caso inédito no país

Doadora era garota de sete anos que morreu após meningite; órgão teve de ser adequado ao tamanho do receptor

Marisa Cauduro/Folhapress
Elaine Cristófaro com seu filho Artur, hoje com 4 meses
Elaine Cristófaro com seu filho Artur, hoje com 4 meses

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

A história tinha tudo para acabar mal. Um bebê de apenas dois meses, 5 kg e vítima de hepatite fulminante, uma doença que destrói o fígado e que mata em mais de 90% dos casos. Só um transplante de urgência poderia salvar sua vida. E salvou.

Em 48 horas, Artur recebeu um novo fígado. O órgão veio de uma menina de sete anos, de São Paulo, que morreu após complicações de uma meningite bacteriana.

O caso de Artur é inédito no país. "Era uma condição rara e muito grave, com pouquíssimos casos descritos na literatura médica mundial", diz Uenis Tannuri, chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de SP, onde ocorreu o transplante.

De cada dez transplantes de fígado, apenas um é por conta de hepatite fulminante, mas em crianças isso é ainda mais raro. A causa mais comum desse tipo de cirurgia na infância é a atresia biliar, uma grave obstrução congênita das vias biliares.

Para José Medina Pestana, presidente da ABTO (Associação Brasileira de Transplante de Órgãos), até o fato de ter surgido um doador criança, no tempo certo para um receptor tão pequeno, é coisa rara. "Às vezes temos o doador, mas não o receptor ideal, ou vice-versa. Foi muita sorte tudo ter coincidido."

O fígado doado teve de ser reduzido a um terço para servir ao bebê. A cirurgia durou dez horas e envolveu uma equipe de cinco cirurgiões e três anestesistas.

"Artur reagiu muito bem à cirurgia e ao pós-operatório. Agora, a briga é para que não haja rejeição do órgão transplantado", diz Tannuri.

PESADELO

Quarenta dias após o transplante, o menino se recupera bem. "Estamos acordando de um pesadelo", resumem os pais, Adalberto e Elaine Cristófaro, de Jaboticabal (interior de SP).

Elaine conta que o filho nasceu saudável (3,3 kg e 47 cm) e que só mamava no peito. Aos 40 dias, porém, passou a ter diarreias frequentes. A pediatra suspeitou de intolerância à proteína do leite e de uma infecção intestinal. Receitou antibióticos e, nos dois dias seguintes, o bebê parecia melhorar.

Mas depois a diarreia voltou, e ele passou a vomitar muito. Foi então transferido para um hospital em Ribeirão Preto e internado na UTI. Lá, as enzimas do fígado ficaram alteradas, e o fundo dos olhos, amarelado.

"A situação só foi piorando, até que ouvimos da equipe médica: 'O fígado dele está parando de trabalhar. É hepatite fulminante'. Ele estava todo amarelo e muito inchado", lembra a mãe.

Ainda não se sabe o que provocou a doença de Artur. A principal suspeita é de um problema metabólico.

Transferido para o HC de São Paulo, o menino entrou na fila de espera por um fígado, que chegou em dois dias.

"Foi a pior dor que já senti. Entregar meu filho na porta do centro cirúrgico sem saber se o veria com vida novamente. Sabíamos que a situação era muito grave e que nunca tinham feito um transplante naquelas condições."

A cirurgia foi um sucesso. "Ele já voltou [do centro cirúrgico] branquinho, e foi se recuperando muito bem. Um mês depois já teve alta."

O bebê ainda precisa de muitos exames e remédios para evitar a rejeição do fígado transplantado. No último mês, por exemplo, fez duas biópsias no novo órgão.

"Mas ele mama bem, dorme bem, nem parece que passou por isso tudo. Rezo todas as noites para a família da menina [doadora do fígado]. Com esse gesto, eles trouxeram meu filho de volta."

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