São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Pessoa Física - Rubens Ometto

Binho, o azarão

Conservador, aficionado por tênis, telenovelas e música sertaneja, o rei da cana-de-açúcar conta como um caipira cdf virou dono da Esso

por Guilherme Barros

O empresário Rubens Ometto Silveira Mello, 58, festejou de forma singular o maior negócio de sua vida. Fiel ao estilo conservador e à discrição habitual, ele e a mulher, Mônica, com quem é casado há 34 anos, decidiram comemorar a compra da Esso do Brasil em Fátima, Portugal, no fim de semana passado, para agradecer a Deus pela conquista. Fátima é um dos locais preferidos dos católicos brasileiros para pagar promessas.

A compra dos 1.600 postos da Esso fora concretizada três dias antes, em jantar no sofisticado restaurante do hotel Mandarin, Londres, com a cúpula da Exxon Mobil. Todo mundo dava como certa a compra da Esso pela Petrobras. Após seis meses de disputa com gigantes que incluía ainda o grupo Ultra, deu o azarão. Ometto fechou o negócio por US$ 826 milhões.

Quebrar paradigmas é marca registrada desse empresário formal, que nunca dispensa o terno para trabalhar e hoje é o maior produtor de açúcar e álcool do planeta. Com fortuna de US$ 2 bilhões, tornou-se, há dois anos, um dos poucos brasileiros na lista de bilionários da revista "Forbes". Com a Esso, acaba de entrar para o clube dos distribuidores de combustíveis. A Cosan, sua empresa, salta para um faturamento de R$ 15 bilhões ao ano, transformando-se no quarto maior grupo do país.

Nascido em Piracicaba (SP), Rubens Ometto viveu a infância num canavial próximo à cidade. Sua casa ficava a 100 metros da chaminé da usina da família, a Costa Pinto. Esse passado é exibido em seu escritório, numa foto com ares de Di Cavalcanti. Nela, ele aparece no meio da colheita, muito pequeno, ao lado do pai, Celso Silveira Mello. O sobrenome Ometto é da mãe, Altina, cuja família está há quatro gerações no negócio.

Lições de Bill Gates

O pequeno Binho foi alfabetizado no grupo escolar da região. Dedicado, sempre se destacou como um dos primeiros. Ginásio e segundo grau foram cursados num colégio de padres em Piracicaba.

O desembarque em São Paulo se deu só aos 17 anos, em 1967, para fazer o Anglo Latino, cursinho preparativo para o vestibular de engenharia. Era visto como "caipira" -gosta de música sertaneja até hoje- pelos mais de 20 primos. Sentiu certa sensação de inferioridade. A cidade grande o assustou.

Logo percebeu que ninguém é tão melhor assim que os outros. O caipira passou a sonhar alto, bem alto. Aplicado a ponto de manter, desde criança, o hábito de acordar de madrugada para fazer o dever de casa, foi estudar na Politécnica de São Paulo, onde se formou em engenharia de produção.

Na mesa do escritório, mantém um folheto com as 11 lições de Bill Gates. A preferida é a 11ª: "Seja legal com os CDFs (aqueles estudantes que os demais julgam que são uns babacas). Existe uma grande possibilidade de você vir a trabalhar para um deles". Ometto é um CDF.

Avesso a badalações, raramente aceita convites. Prefere ficar em casa. Um de seus hobbies prediletos é assistir aos capítulos gravados das telenovelas, hábito que mantém desde "Redenção", exibida entre 1966 e 1968 e a mais longa da história da TV. Suas novelas prediletas são "Selva de Pedra" e "Escalada". Não perde "Desejo Proibido" e "Duas Caras". Gosta do Juvenal Antena, de Antônio Fagundes. O personagem retrata a história de uma pessoa humilde que se tornou o dono da favela. Alguma identificação?

Nos fins de semana, Binho e Mônica seguem de helicóptero para a fazenda em Araras (169 km a noroeste de São Paulo). Lá, pratica golfe -a fazenda tem um campo de nove buracos-, hábito recente. Não se importa de jogar sozinho. é uma oportunidade para pensar.

Pouco açúcar no sangue

O esporte está em sua vida desde criança. Futebol, jogou até os 30. O tênis, que começou aos 12, é compromisso de hora do almoço. Das 12h30 às 13h30, bate bola na quadra de sua casa com um profissional veterano contratado. Jogou muito com Pedro Bueno, irmão da consagrada tenista Maria Esther Bueno. Competitivo, não gosta de perder nem de "empurrar" bolinha, como diz. Para Ometto, o importante é vencer.

A prática de esporte tem uma razão especial. O pai morreu de infarto fulminante, quando ele cursava a faculdade. Desde então, procura não relaxar com a saúde. Ironia da vida, o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo sofre de hipoglicemia, distúrbio causado por baixa taxa de açúcar no sangue, o que o obriga a comer de três em três horas. A mãe, de 82 anos, ainda mora em Piracicaba.

Quando o convencem a aceitar algum compromisso, participa para valer. Há poucos anos, pôde exibir seu estilo, digamos, ousado num encontro do empresariado com o ex-primeiro-ministro do Reino Unido John Major, no Brasil. Revoltado com os subsídios europeus aos produtos agrícolas, não teve dúvidas. Sem alterar a voz, outra de suas características, acusou os países ricos de prepotência por terem o poder da força. E a força é a capacidade de fabricar a bomba atômica. Se o Brasil produzisse a bomba, disse Ometto, seria diferente. O constrangimento foi geral.

Foi com esse estilo que ele conseguiu chegar aonde chegou. Quando começou a tocar a Cosan, travou um embate com o governo militar para exportar açúcar sem passar pelo IAA, o poderoso Instituto do Açúcar e do Álcool. A Cosan foi a primeira empresa privada a ter esse direito.

Mônica, que prefere não revelar a idade, foi fundamental em momentos cruciais na vida do empresário. Muito religiosa, foi ela que deixou a Bíblia do escritório dele aberta na página do Salmos que narram a história de Davi. Foi por ela que ele conheceu José Ermírio de Moraes, figura muito importante em sua formação.

O pai dela, o banqueiro Guilherme Mellão, era o melhor amigo de José Ermírio, faziam anos no mesmo dia. Naquele 26 de novembro de 1970, Rubens Ometto participou das comemorações do aniversário do futuro sogro -e do amigo dele- no Terraço Itália. Num golpe de sorte, sentou-se à frente de José Ermírio, irmão de Antônio Ermírio e presidente da Votorantim. Conversaram muito e passaram a se falar freqüentemente.

Radinho de pilha

Assim que se formou, Ometto fez estágio no Unibanco, mas logo foi convidado por José Ermírio para trabalhar na Votorantim. Aos 24, tornou-se diretor financeiro da empresa. A amizade com "doutor" José, morto em 2001, ficou mais forte.

Apaixonados por esporte, encontravam-se nos fins de semana para jogar tênis. às vezes, faziam sauna no Harmonia ou iam ao estádio ver o Santos deles jogar. Numa dessas partidas, o Binho se sentou ao lado de um baixinho um tanto atarracado, que assistia ao jogo com um rádio na orelha. Durante quase duas horas, os dois se abraçaram a cada gol do Santos. Ao final, pareciam amigos de longa data e se despediram afetivamente. "Doutor" José não agüentou e perguntou há quanto tempo ele era amigo do general Souza e Mello, então comandante do Segundo Exército e considerado um homem forte naqueles tempos de regime militar. Binho não o conhecia.

A saída da Votorantim para o grupo das empresas da família, então chamado Pedro Ometto, se deu em 1980, a convite do tio, Orlando, que havia sofrido um enfarte. Aceitou mediante um acordo de acionistas que lhe garantisse poderes. Quando o tio quis voltar para a operação, o grupo acabou sendo dividido. Rubens Ometto ficou com as usinas Costa Ribeiro e Santa Bárbara, iniciais que deram o nome Cosan. Os primos, com a Duas Barras, a maior. Não passou muito tempo, Rubens Ometto comprou tudo de volta depois de uma desgastante guerra familiar.

O empresário pretende reunir essas muitas histórias em livro. Como, por exemplo, a origem da empresa de aviação Transportes Aéreos Marília, fundada por seu tio. Um dia, Orlando o incumbiu de uma missão: demitir Rolim Amaro, um dos principais executivos. Antes de executar a ordem, Ometto ficou um tempo na empresa e notou que Rolim era um verdadeiro avião. Quem acabou sendo demitido foi o tio Orlando. Foi quando Rolim criou a TAM e se tornou dono da companhia. Ometto não se considera um centralizador. "Só centralizo as decisões que acho importantes." O problema é que todas as decisões são importantes.


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