São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

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GASTRONOMIA

Fome de poder

por JOHANNA NUBLAT e JULIANA ROCHA

A alta culinária das mais variadas culturas convive em paz e lado a lado nas embaixadas de Brasília

No intervalo de poucos dias, o menu pode variar de uma gelatina translúcida de feijão em forma retangular, carneiro ao molho de jabuticaba e um legítimo couscous marroquino de sete legumes.
Para sobremesa, quadradinhos macios de arroz ou uma caipirinha sólida com menta ao estilo de Ferran Adrià.
São dessas receitas da cozinha mundial com toques brasileiros que desfrutam os habitués do grupo seleto e fechado das mais de 110 embaixadas em Brasília. Entre os convidados, autoridades brasileiras, diplomatas, jornalistas e quem mais conseguir se inserir no meio. Há quem diga que são estas as melhores refeições servidas na capital federal.
Nicolas Sarkozy, Tony Blair, príncipe Charles, Marina Silva, a recém-eleita Dilma Rousseff e até o presidente Lula são recentes e ilustres presenças dessas recepções, que acontecem quase diariamente.
"O convidado das recepções sempre espera encontrar a comida típica do país", explica o embaixador da Grécia, Dimitri Alexandrakis. Faz parte da liturgia do cargo, oferecer a comida típica do país aos convidados.
Há recepções que atraem até 1.500 pessoas, mas jantares íntimos para pequenos grupos são mais frequentes. A regra informal é não marcar duas festas no mesmo dia. Fica chato para quem convida e para o embaixador que tem que optar.
Quem decide estes elaborados cardápios são as embaixatrizes, que fazem das recepções a sua profissão. Os banquetes são comandados por chefs que às vezes mal falam o português e desconhecem a comida brasileira. Na maior parte das vezes, vieram na bagagem dos embaixadores, como é praxe no mundo da diplomacia.
Caso da sul coreana Eunmi Suak, 48, há quase um ano no Brasil, depois de ter servido a mesa da representação de seu país no Irã. Ela veio a Brasília a convite do embaixador da República da Coréia, Kyonglim Choi.
Com um sorriso permanente, Suak explica como faz o carro-chefe da gastronomia coreana: o kimchi. O fermentado de legumes, muito apimentado, ganhou uma versão adaptada com a cozinheira: o kimchi de chuchu.
O quiabo também despertou a atenção da chef e entrou no cardápio do embaixador. É servido na salada, com molho de soja. "Foi uma idéia criativa. Quisemos experimentar, e todos gostaram", diz. De acordo com ela, apenas os ingredientes insubstituíveis acabam sendo importados, como o jatche (macarrão de batata-doce) e a pasta de pimenta vermelha.
A depender da tradição, a adaptação necessária é mínima. Como na cozinha da filipina Milagros Villanueva, 39, ou simplesmente Mila, há 15 anos à frente dos menus da embaixada do Reino Unido.
Mila acumula uma longa lista de autoridades que já provaram seus pratos. Com orgulho, a tímida filipina diz que o príncipe Charles, que viaja com seu próprio chef, comeu suas peras cozidas ao vinho. "O garçom pessoal dele pediu para experimentar e decidiu levar ao príncipe, que adorou", diz.
Ela comanda uma das cozinhas mais movimentadas do meio diplomático. "Tem dia que temos dois cafés da manhã no mesmo horário", explica Rosita Watkins, secretária social de Alan Charlton, embaixador do Reino Unido.
Em média, são três ou quatro eventos semanais na embaixada ou na residência do embaixador. Mas dependendo da época do ano, o número sobe facilmente a oito.
Os cardápios seguem a linha da culinária internacional, com pinceladas brasileiras, muitas frutas tropicais e algo que reflita a gastronomia britânica. Trifles (taças de frutas e creme), "beef wellington" (filé envolto por massa folheada) e "mince pie" (veja box ao lado) garantem o sabor inglês.
Já na representação do Marrocos, nunca falta o tradicional couscous, feito pelo marroquino Omar Achiban, 37.
Com experiência na cozinha de hotéis no Marrocos, na Líbia, na Arábia Saudita e no Irã, o chef já serviu o presidente Lula num evento conjunto de países árabes, no ano passado.
"Ele gostou muito do couscous, tirou foto com todos os chefs", gaba-se.
O carioca Marcos Mourato Neri, de 30 anos, que hoje pilota a cozinha da embaixada da França no Brasil, começou aprendendo o ofício aos 14 anos, em um curso do Senac patrocinado pela Marinha.
O cozinheiro aperfeiçoou a técnica francesa já trabalhando na representação diplomática. Durante mais de um ano, dividiu o tempo entre os fogões da embaixada e o aprendizado num tradicional café francês de Brasília.
A audácia de Neri é sempre tentar dar um toque brasileiro ao clássico cardápio francês. Foi o que aconteceu no almoço acompanhado pela reportagem, em que o carré de cordeiro foi servido com um molho de jabuticaba.
María Josefa Ávila Mejías, mulher do embaixador da Espanha, mostra rivalidade com a culinária francesa. "Já os passamos", diz. Ela organiza num fichário os cuidadosos cardápios das recepções mais importantes idealizados pela própria. Exibe com orgulho o troféu que ganhou no concurso de gastronomia da TV sul-coreana, quando o marido serviu no país. "Fiz um kimchi adaptado, com anchovas."
Disputas à parte, Espanha e França costumam comparecer aos mesmos eventos. É comum que países geograficamente próximos se visitem em Brasília. O mesmo acontece entre os países orientais e entre os africanos.
Mais do que cultural, é uma questão de negócios e relações estratégicas.
"Entre países, existem mais interesses que amizades", simplifica Saad Hdadou, secretário da embaixada do Marrocos. No cardápio atual de assuntos, naturalmente, o wikileaks aparece como prato principal.

UM CHEF PARA DILMA
por MÁRCIO FALCÃO, de BRASÍLIA

Uma das principais cozinhas de Brasília ainda não tem chef para 2011. Priorizando a montagem de seu ministério, a presidente eleita, Dilma Rousseff, ainda não definiu quem vai comandar o cardápio do Palácio da Alvorada.
O mais provável, dizem interlocutores da transição, é que a tarefa fique a cargo da carioca Raquel Cauí, 52.
Sob o comando de Raquel, a culinária palaciana poderá ganhar um toque árabe, especialidade da cozinheira.
A certeza, por outro lado, é que camarões e carboidratos passarão longe da mesa, a pedido da própria Dilma.
Raquel é responsável pelas refeições da petista desde abril, quando Dilma deixou a Casa Civil para disputar as eleições presidenciais.
Novata na cozinha de um político, a carioca costuma dispensar o título de "chef".
O cardápio da petista é diversificado. Prefere refeições saudáveis, com muita carne, salada e arroz integral.
Na lista de seus pratos prediletos estão a bacalhoada portuguesa, o polpetone e a galinha caipira. Ela faz questão de escolher diretamente o que vai comer.
A presidente eleita não bebe muito, no máximo toma uma taça de vinho à noite. Prefere água de coco e guaraná diet.
Dilma não costuma ir a restaurantes. E detesta camarão. Também tem dispensado carboidratos, de olho na balança. Engordou oito quilos durante a campanha e pretende perdê-los o mais rápido possível.
Nas aparições públicas após a vitória já parece mais leve, resultado das novas refeições e das caminhadas matinais na Granja do Torto, residência oficial que ocupa temporariamente.

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