São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FINO

Oscar?

por SÉRGIO RIZZO

Bruno Barreto conta o que ele e o 11 de Setembro têm em comum com "Última Parada 174", selecionado para representar o Brasil na premiação

Se filme comovente é o que consegue levar seu próprio (e tarimbado) diretor às lágrimas, o leitor talvez deva providenciar uma caixa de lenços para assistir a "Última Parada 174", selecionado para representar o Brasil na disputa por uma vaga entre os finalistas ao Oscar de filme estrangeiro, e cuja estréia está marcada para 24 de outubro. Bruno Barreto, 53, diz que nunca havia chorado durante uma filmagem, mas não vai esquecer a primeira vez.

"Foi na cena em que uma mulher acha que está reencontrando o filho que perdeu 17 anos atrás, e ele está fingindo que é filho dela", lembra. "É um momento de suspense, porque você pensa que a qualquer momento ela vai descobrir, e emocionante, porque ele está emocionado e precisa de uma mãe. Ele é um mau caráter? De acordo com os nossos códigos, sim. Mas será que é, realmente? Foi uma cena realizada de forma monástica, com uma câmera que quase não se mexe."

Quando disse "corta" ao final da primeira tomada, Barreto estava em prantos. "Saí do set e precisei de cinco minutos para me recuperar. Tinha muita coisa ali embaixo. Com perdão pela expressão, foi 'deep shit'." Ele diz que tentou ser "objetivo e seco" na abordagem da história, mas ao mesmo tempo observá-la "de dentro para fora". "Parece impossível, porque não tenho muito a ver com aquelas pessoas, mas fui descobrir o que tenho em comum com elas: a raiva, a revolta." Para falar disso, "entraríamos num papo meio psicanalítico" que ele prefere deixar para lá. "O que me move é a curiosidade e me descobrir de maneira oblíqua em coisas que não parecem ter nada a ver comigo, mas têm."

"Para mim, a miséria é revoltante", afirma Barreto. "Quis filmar essa história com o ódio que essas pessoas carregam." Embora seja baseado no documentário "Ônibus 174" (2002), de José Padilha, "Última Parada 174" cria uma história de ficção em torno do ex-menino de rua Sandro do Nascimento, sobrevivente do massacre da Candelária, em 1993, e que se tornou protagonista de um seqüestro no Rio de Janeiro, transmitido ao vivo pela TV para todo o país, em 12 de junho de 2000.

RIO: CARINHO E TRISTEZA

Depois de viver sete anos em Los Angeles e dez em Nova York, Barreto se mudou para São Paulo em 2005, ao final de seu casamento com a atriz norte-americana Amy Irving, mas foi só com as filmagens de "174", dois anos depois, que se sentiu plenamente de volta ao Brasil. "Foi muito doloroso", lembra o cineasta. "E, talvez por causa disso, nunca me emocionei tanto quanto nesse filme. O Laurinho Escorel [diretor de fotografia com quem trabalhou em "Amor Bandido", de 1979] disse que eu filmo o Rio de um jeito muito especial, com carinho e tristeza. É uma cidade linda, mas tão maltratada. Tive que pôr filme na janela do meu carro, que não é blindado e não chama a atenção. Em São Paulo não uso, mas no Rio tenho medo."

Por coincidência, uma experiência com o medo está na raiz de seu retorno ao Brasil e do próprio "174". Barreto vivia em Nova York em 11 de setembro de 2001. "Eu morava no Upper West Side, mas o cheiro chegou até lá no dia seguinte. Saí para pegar o meu filho [Gabriel, hoje com 18 anos] na escola e parecia cena de filme. Tinham levado todas as crianças para o porão com medo de um bombardeio. Era uma escola liberal, mas a cultura do medo nos EUA permeia todas as classes e todas as ideologias. Aquilo foi impressionante."

De acordo com Barreto, seu casamento passou pelo que ocorreu com diversos casais em que a mulher era norte-americana e o marido estrangeiro ou vice-versa. "O 11 de setembro trouxe à tona as diferenças", resume. "Eles perderam a inocência, mas nós já a tínhamos perdido faz tempo. Ali começou o nosso divórcio, sem a gente saber. Você não podia falar mal dos EUA. Comecei a ficar muito incomodado com as bandeiras penduradas nas janelas, lembrava-me do tempo da ditadura aqui. E não era tão ruim para a Amy. Foi muito punk, estranho, maluco."

ITINERÁRIO

Em outubro de 2002, ele estava no Brasil quando "Ônibus 174" foi lançado. "Minha filha (Helena, hoje com 32 anos) trabalhou como assistente de produção do documentário. Fiquei obcecado com essa história." No recente Festival de Toronto, no início do mês, um jornalista da BBC lhe perguntou como o episódio havia sido recebido no Brasil, com a transmissão do seqüestro pela TV, e Barreto o comparou, guardadas as devidas proporções, com o que representou o 11 de setembro para os EUA. "O país todo parou para ver. Muita gente que vê o meu filme sai sem querer falar, mas aí, depois de um tempo, todo mundo começa a se lembrar onde estava naquele dia. Até os atores, no 'making of', falam disso."

Em 2004, quando passou quatro meses aqui para rodar "O Casamento de Romeu e Julieta", Barreto diz ter pensado que, se algum dia saísse de Nova York, a única cidade do mundo onde gostaria de morar seria São Paulo. "Eu me sentia um estrangeiro no Rio. Quando me mudei para os EUA, os amigos que ficaram foram mais os de São Paulo do que os do Rio (onde nasceu e viveu por 34 anos). Carioca não é muito bom nisso. O Milos Forman (tcheco radicado nos EUA, diretor de "Um Estranho no Ninho" e "Amadeus") me disse em um jantar que a condição de imigrante é irreversível: uma vez que você mora um determinado tempo fora de onde nasceu, não tem caminho de volta. Você se torna um estrangeiro em tudo o que é lugar no mundo."

Agora, Barreto está com um "problema": a namorada mora no Rio. "Ela é inglesa, já morou no mundo inteiro. Não se sente enraizada no Rio. É uma cidadã do mundo, como eu. Logo, vai morar aqui também."

Texto Anterior: PASSAGEM: Vida em hotel, por Guilhermina Guinle
Próximo Texto: FINA: Rosa Lemos, por Helio Hara
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.