São Paulo, Domingo, 24 de junho de 2012

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FINO

UMA HISTÓRIA DE VIDA REAL E SUPERFELIZ

por Roberta Salomone, de Nova York

UMA DAS ATRAÇÕES DA PRÓXIMA FEIRA LITERÁRIA DE PARATY, A FLIP, QUE ACONTECE ENTRE OS DIAS 4 E 8 DE JULHO, O ESCRITOR GARY SHTEYNGART FAZ TRAILERS PARA PROMOVER SEUS LIVROS

Procurado por gente como Woody Allen, Julia Roberts e Uma Thurman, o Gramercy Park, em Nova York, é um bairro para poucos. Mais tranquilo do que outras áreas de Manhattan, o pedaço entre Midtown e o East Village tem até um parque exclusivo, em que só entra quem tem a chave. Quando o escritor Gary Shteyngart comprou um apartamento na região, há dois anos, a sua chegada mereceu até destaque em matéria no jornal “New York Times”.

A aquisição do imóvel de dois quartos, avaliado em mais de R$ 2 milhões, é resultado da história de sucesso do autor, que, com três livros lançados, coleciona prêmios.

O primeiro, “O Pícaro Russo” (Editora Geração, 2006) –sobre um judeu soviético de 25 anos, com raízes russas e sonhos americanos–, ganhou o Prêmio Nacional Judaico para Ficção.

O seguinte, “Absurdistão” (Rocco, 2008), é uma comédia sobre um mauricinho russo que sonha se mudar para Nova York. Ficou entre os dez melhores de 2006 na lista do “New York Times”, foi eleito livro do ano pela revista “Time” e pelo jornal “Chicago Tribune”.

O mais recente, “Uma História de Amor Real e Supertriste” (Rocco, 2011), conta, em tom de comédia, o drama de um filho de russos apaixonado por uma filha de coreanos louca por novas tecnologias.

“O sucesso é ótimo, sem dúvida. Viajo bastante e minha sala tem uma vista mais bonita”, comemora Gary, 39, que vive nos Estados Unidos desde os sete, quando deixou a Rússia com os pais. Mas ele não para de trabalhar. Sempre atualiza a sua página no Facebook e a sua conta no Twitter. Foi dele, aliás, a ideia de fazer um trailer de seu último livro para lançar no YouTube. O vídeo cômico, de quase cinco minutos, tem a participação do ator James Franco, seu aluno de escrita criativa na Universidade Columbia. Gerou mais de 200 mil acessos.

A iniciativa foi tão bem-sucedida que, para lançar a versão de bolso do romance, fez outro trailer com outro ator convidado: Paul Giamatti (de “Sideways - Entre Umas e Outras”).

Para o próximo livro, sobre a vida como imigrante nos EUA, já tem até o roteiro do trailer pronto. “Queria me vestir de bebê e ter Isabella Rossellini, como minha mãe, cantando uma canção de ninar”, confessa. “Quem sabe eu consigo?”

UM RUSSO EM NY

Gary Shteyngart nasceu na então Leningrado (hoje São Petersburgo), em plena Guerra Fria. Os pais, judeus, resolveram largar o que tinham e tentar a vida na América. “Cresci falando russo em casa e ouvindo que os Estados Unidos eram um país bom por causa do capitalismo”, lembra o autor, que já sonhava escrever livros quando sua avó o introduziu na literatura com textos de Lênin (1870-1924).

A infância no Queens, bairro de Nova York, não foi fácil. Filho único, sofreu preconceito na escola, onde fez poucos amigos. Foi viver em Ohio para estudar política, no início dos anos 1990, e trabalhou em uma organização de ajuda a refugiados.

Sempre quis voltar ao país onde nasceu, mas nunca teve o apoio da família. “Só se for por cima do meu cadáver. Vão devorar você vivo lá”, explodiu sua mãe, certa vez.

No ano passado, conseguiu convencer os pais a viajar com ele para a Rússia. “Foi terrível. Trinta anos depois e só visitamos cemitérios.”

A experiência não traumatizou o escritor, pelo contrário. Quer voltar ao país pelo menos uma vez por ano e vê suas viagens –cada vez mais constantes– como fonte de inspiração para seus livros. Sua vinda para a Flip será a segunda visita ao Brasil. A primeira foi em 2006.

Quando não está dando aulas em Columbia, gosta de escrever na cama, das 11h às 16h. No tempo livre, bebe com amigos, vai a restaurantes, lê. “Nunca em Kindles ou iPads”, diz. E frequenta um psiquiatra quatro vezes por semana.

“Se não fosse por ele, não teria lançado meu primeiro livro. Eu tinha medo”, revela. Agora, com os medos controlados, comemora as boas resenhas e garante que está totalmente preparado para um fracasso.

“Depois de três livros bem-sucedidos, não há outra opção. Cresci ouvindo críticas dos meus pais, então elas não me incomodam”, afirma o escritor.

No dia seguinte ao da entrevista, lembrei-me do Gramercy Park e perguntei a Gary, pelo Twitter, se ele já tinha ganhado uma chave do parque. Ele respondeu, de Israel, onde estava divulgando seu trabalho, com ironia: “Não ganhei, não. Será antissemitismo?”


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