São Paulo, domingo, 25 de Setembro de 2011

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FINA

Rock Na Cabeça

por IVAN FINOTTI, de NOVA YORK

Bono e elvis costello cortam o cabelo com april barton. a serafina também.

"Bob Dylan", eu digo, quando entro na Suite 303, o salão de cabeleireiro mais descolado de Nova York. "Rolling Stones, Beatles", completo. "OK, esse é fácil", responde April Barton, a dona do lugar.
Menciono esses nomes porque é assim que April trabalha. Se eu fosse um músico, ela me pediria para tocar uma canção no violão. Se fosse um artista plástico, gostaria de ver um dos meus quadros. Como não sou nada disso, improviso e digo nomes de artistas de que gosto, na esperança de não sair daqui parecendo um sobrevivente de Woodstock.
"Aqui" é o Hotel Chelsea, há décadas o mais mal-assombrado de Nova York. O poeta gaulês Dylan Tomas morreu aqui, o escritor inglês Artur C. Clarke escreveu "2001" aqui, o Sex Pistol Sid Vicious matou sua namorada Nancy aqui.
Desde 1995, quem faz arte no hotel é April Barton. Ela alugou a suíte 303 e instalou um salão de beleza. O Chelsea, que não oferecia o serviço até então, aprovou após ouvir os planos pouco ortodoxos de April.
Dentre eles, nada de cadeiras de barbeiro, nada de fofoca de secador, nada de "o cliente tem sempre a razão".
Deu mais do que certo: Baryshinikov, Jerry Seinfeld, Elvis Costello, Avril Lavigne, Bruce Springsteen e os músicos das bandas Oasis, Blur e U2 cortam o cabelo com ela.
Meia dúzia de grandes espelhos ovais e um sofá em meia lua dominam o quarto do hotel que, volta e meia, presencia um sarau entre os artistas da região. Quadros trocados por cortes de cabelo ("o tempo deles pelo meu", diz April) guarnecem as duas paredes laterais.
Ela os mostra com orgulho, especialmente o de um pintor morto recentemente por overdose de heroína. Conta que o cara era amigo de Dee Dee Ramone, baixista dos Ramones, que morou lá e também morreu de overdose de heroína, em 2002. A pintura, com bonecos de palito e letras coloridas, parece ter sido feita pela minha sobrinha de quatro anos, mas, como não entendo nada de arte, guardo meus comentários para mim mesmo.
Enquanto mete a tesoura na minha cabeça, April conta como alguns famosos são fofos e outros, não. Jakob Dylan (filho do homem), por exemplo, não tem frescura. Ele corta o próprio cabelo, se necessário. Foi fácil, então, fazer um corte doidão, com pontas sobrando e mechas a esmo.
Acontece bastante de April ir trabalhar em locações, principalmente de cinema. O ator Matthew Modine, que atualmente trabalha na sequência de "Batman", não dá um close sem o trato capilar de April.
Já o pessoal do U2 deu certo trabalho. Bono, The Edge e o baixista não. Mas o baterista, Larry Mul len, esse deu. "Esperei das 20h à meia noite. Ele chegou e não deu um sorriso ou um 'desculpe o atraso', nem um 'obrigado' depois. Terrível."
Pior foi o caso de uma atriz estreante que ligou para Barton na noite anterior ao corte: "estou com medo", "acho que não estou preparada para cortar o cabelo" etc. Pois ela chegou no dia seguinte e, antes mesmo de April encostar na cabeça da moça, só de ouvir o barulho da tesoura ela já pulou e disse que estava muito curto. April não teve dúvidas: mostrou o chão sem cabelos e escorraçou a menina na hora. "Você não é bem-vinda aqui."
Não foi a única vez que April expulsou alguém da Suite 303. Conta ela que, de vez em quando, isso acontece, especialmente quando "querem me ditar o que fazer". April é uma artista, poderia ficar conhecida como a Edward Mãos de Tesoura de Manhattan. "Se a pessoa chega dizendo 'quero assim e assim', mando para outro salão'."
Não presenciei nada parecido em minha tarde no Chelsea. Por coincidência, minha hora marcada com April aconteceu no dia 2 de agosto, um dia depois de o hotel ser vendido a um investidor por US$ 80 milhões e anunciar que fecharia as portas para uma reforma.
Os sete funcionários da casa, April (corte a US$ 200 ou a US$ 300, o feminino), quatro estilistas de cabelo (US$ 100) e dois assistentes, podem ser chutados de uma hora para outra. "Até já andei vendo lugares, mas vou esperar ser expulsa para sair", diz ela.
Enquanto conversamos, meu cabelo vai tomando a forma final. Nada a ver com o que falei no início. Está todo arrepiado, como se eu fosse um punk mais velhusco. "Sabe o que é?", diz ela, "às vezes o espírito do Sid Vicious baixa aqui. Não sei como acontece, mas o seu cabelo anos 1960 acaba de virar anos 1970".Parece que, como April Barton, Sid Vicious também não quer se mudar do Chelsea Hotel.

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