RECORTE V

Holly Golightly e o medo de amar

por vivian whiteman

Como o clássico "bonequinha de luxo" ainda é feminino, feminista e subversivo aos 50 anos

A história da mocinha Holly Golightly, interpretada de forma definitiva por Audrey Hepburn, de fato merece revisitada. Tido como um filme fútil, um romance água com açúcar, é na verdade uma fábula subversiva sobre o medo de amar. Uma das chaves para essa interpretação está no guarda-roupas de Holly, com vestidos assinados por Hubert de Givenchy, criador da maison francesa que leva seu sobrenome, e supervisão da top figurinista Edith Head. O figurino de Holly é todo baseado no conceito de proteção e de distanciamento. O preto, mais que elegância sisuda, sugere a viuvez ou o casamento anulado com o veterinário texano Doc, figura paterna ultraprotetora que a personagem adota na sua busca obsessiva por "um nome" que lhe dê status, segurança. Golightly, vejam só, pode ser traduzido como "vá devagar". No livro, ela é um tipo de prostituta de luxo, o que no filme é apenas sugerido quando Holly, por exemplo, aparece nua enrolada num lençol. Os clientes/pretendentes a abastecem com joias e outros mimos, mas ela veste preto porque não está emocionalmente (mesmo o sexo é frio como sugere a cena) disponível para eles. Mesmo o cigarro, vício da personagem, é fumado numa piteira, a uma distância segura da boca, como se ela fosse incapaz de segurar suas escolhas entre os dedos, cobertos por luvas. Holly tenta se convencer e ao seu vizinho e verdadeiro interesse amoroso, Paul (um escritor "cachorrinho de madame", sustentado por uma socialite), que está apaixonada pelo milionário José. José talvez a faça sentir a paz que só encontra quando está na joalheria Tiffany, templo consumista onde as dores e os medos da personagem, suas feridas, são representados por diamantes e pedras guardados dentro de vitrines. Na famosa cena final, Holly desiste de fugir para o Brasil, outra metáfora de segurança como lugar idílico e solar, e literalmente decide se molhar, saindo do táxi sob uma chuva torrencial, da qual nem mesmo seu trench coat poderá protegê-la. A heroína corre atrás de seu gato sem nome (uma de suas máscaras de transferência), que ela havia abandonado, mas acaba encontrando também Paul. Uma gata assustada e um cachorro molhado, enfim, se beijam num beco chuvoso sem garantias nem segurança. Com seus "kitten heels" (saltos de gatinho), ela dá o passo de fé cega que a liberta, e o filme termina, deixando os espectadores diante do abismo insondável do amor. Num mundo de jaulas, Holly é, numa mulher, a coragem de se lançar no escuro.

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