São Paulo, domingo, 27 de julho de 2010

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PESSOA FÍSICA

Márcio Thomaz Bastos

por KENNEDY ALENCAR

No comando do Ministério da Justiça de 1º de janeiro de 2003 a 16 de março de 2007, o advogado Márcio Thomaz Bastos foi um dos ministros mais importantes de Luiz Inácio Lula da Silva. Ajudou o presidente a enfrentar escândalos -ora como conselheiro político e jurídico, ora como interlocutor da oposição quando o caldo ameaçava entornar.

Saiu porque quis. "Para aproveitar mais a vida." Não foi derrubado como muitos colegas de governo. Quarenta dias depois, num check-up, levou um "susto".

O cardiologista examinava a radiografia do tórax. Queria ver o estado das coronárias. Encontrou uma mancha no pulmão. Thomaz Bastos desejou arrancar o tumor maligno na hora. Uma semana depois, estava na mesa de cirurgia.

Encontrou uma mancha no pulmão. Thomaz Bastos desejou arrancar o tumor maligno na hora. Uma semana depois, estava na mesa de cirurgia.

"Minha reação foi de raiva, raiva do câncer, produzido pelo cigarro. Fumei durante 20 anos. Havia parado fazia 30, mas foi resultado do fumo. Virei antitabagista convicto e militante."

Sentiu "um medo terrível" da anestesia geral, que nunca havia tomado. "Tive sorte. Descobri cedo. A cirurgia foi curativa. Não havia metástase." De junho a novembro de 2007, submeteu-se a 16 sessões de quimioterapia. Não perdeu cabelo e quase não sentiu efeitos colaterais.

DISTRAÍDO PARA A MORTE

"O susto me fez crescer psicologicamente", diz. Confessa que não queria passar pelo processo da morte porque simplesmente não acredita que vá morrer. "Não acredito... Para usar um anglicismo, não realizo que vou morrer. Faço planos como se não fosse."

Evidência disso: quase aos 73 anos, que serão completados na próxima quarta-feira, ele está ampliando o novo escritório. "Vou continuar butique, mas não teve jeito. Preciso de mais espaço."

Por "butique", entenda-se: "Fazer a estratégia e poucas causas". Após o governo, ficou sete meses de quarentena voluntária. Acredita que ainda está voltando ao mundo privado. "A volta é mais longa do que a ida."

Por "butique", entenda-se: "Fazer a estratégia e poucas causas". Após o governo, ficou sete meses de quarentena voluntária. Acredita que ainda está voltando ao mundo privado. "A volta é mais longa do que a ida."

Já era rico quando foi para o governo, trocando ganhos mensais na faixa dos R$ 400 mil por um salário de R$ 8 mil. "Na época, minha mulher ficou brava quando respondi a uma pergunta de como viveria com salário de ministro. Falei: 'Pra mim dá, pra minha mulher é que não dá'". Hoje, sorri e admite: "A verdade é que não dava pra mim também".

Fora do governo, de onde saiu para "aproveitar a vida",
ex-ministro da Justiça defende atuação da PF
e conta como enfrentou um câncer no pulmão

Recusa casos de tráfico de drogas e de crimes contra crianças. Valor dos trabalhos: "De graça até o que valer". São comuns casos de R$ 500 mil, R$ 1 milhão.

Resistiu a aceitar causas que envolvessem a PF (Polícia Federal), instituição que foi subordinada a ele. Não deu. Exemplo: às 6h da manhã da sexta 11 de julho, o telefone tocou. O empresário Eike Batista, alvo da Operação Toque de Midas, queria o "doutor Márcio" como advogado. Eike conseguiu.

Thomaz Bastos viu que não tinha como evitar a PF. As operações espetaculares ganharam força em sua gestão na Justiça. Defende a instituição com unhas e dentes: "É uma polícia que não protege e que não persegue".

No poder, uma de suas primeiras atitudes foi dar à Polícia Federal uma estrutura melhor. "A idéia era criar um FBI brasileiro, uma polícia impessoal e republicana que investiga bem e usa métodos modernos."

No primeiro mandato, houve uma reunião tensa com Lula e o então poderoso ministro da Casa Civil, José Dirceu. Queixando-se da autonomia da PF, que flagrara petistas em escândalos, Dirceu cobrava controle. O próprio Lula se incomodava. Thomaz Bastos foi incisivo. Disse que não controlava e que não queria controlar a PF. "Senão, vira polícia de governo e não polícia de Estado."

E quem fiscaliza a PF? "A Corregedoria faz o controle interno, o Ministério Público faz o controle externo, o Poder Judiciário faz um controle geral e a sociedade civil, com suas instituições, como a imprensa, também fiscaliza."

HORROR DE ENGORDAR

Vaidoso, ternos bem cortados, sapatos brilhando, nó da gravata grande e bem justo no colarinho italiano, Thomaz Bastos diz que precisa emagrecer. Com 1,74 metro, sente-se "gordo". Está com 76 quilos. O ideal seriam 72. Faz ginástica três vezes por semana, com levantamento de peso -além de 50 minutos diários de caminhada na esteira ou no clube. "Tenho horror de engordar e pretendo demorar a envelhecer."

As caminhadas aliviam o estresse: "Sou mais ansioso do que pareço". É verdade. O bom humor e a voz em tom seguro transmitem serenidade. Parece até coisa de advogado treinado para tranqüilizar cliente.

O repórter conhece o "doutor Márcio" desde 1990. Nunca o viu alterado. Nem mesmo nos incêndios de Brasília. No máximo, um palavrão entre sorrisos e uma ironia. "Esse pessoal [do governo do PT] nunca comeu melado...".

Dorme da meia-noite às 6h. Vai para a cama um pouco mais tarde quando tem um jantar, quase sempre acompanhado de vinho.

"Gosto mais de uísque, mas tomo mais vinho. Deixei de ser amante do uísque e virei amigo do vinho." Tem uma adega com cerca de 200 garrafas. Raramente paga mais de R$ 100 por cada uma. "O custo-benefício não compensa."

Coleciona obras de arte. "Mais pintura, trabalhos do Santa Helena." Tal grupo reunia artistas de origem simples na década de 30. Alfredo Volpi e Francisco Rebolo eram alguns dos expoentes.

ADVOGADO DO GOVERNO

Nas horas livres, costuma levar a família à casa de praia, recém-reformada pelo amigo Ruy Ohtake. Nascido em Cruzeiro (SP), é casado há 42 anos com Leonor. Tem uma filha, Marcela, e dois netos, Rafaela, 5, e Diogo, 2.

Philip Roth é o escritor preferido. "É o maior escritor vivo. Somos da mesma geração, com um quadro de referências comuns." Cineasta predileto: Woody Allen. "Temos a mesma idade. Um filme ruim dele é muito melhor do que um filme bom de outros diretores." Quem são os amigos?

"Difícil listar... Você esquece alguns." Diante da insistência, responde: os advogados Arnaldo Malheiros e Marcelo Lavenère, o presidente Lula, o chefe-de-gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O repórter pergunta se Dilma está preparada para disputar a Presidência em 2010 e se será candidata. "Com certeza, está preparada. Creio que será candidata."

Thomaz Bastos nega que as viagens recentes a Brasília sirvam para continuar a aconselhar Lula a se livrar de enrascadas. Desconversa. "Essa coisa de advogado do governo é uma lenda que virou verdade pela repetição. Sempre tive duas lealdades, ao Lula e às instituições. Nunca deixei que a lealdade ao Lula contrariasse a lealdade às instituições."

No auge do mensalão, teve reuniões secretas com o amigo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal referência do PSDB e muito influente no DEM. Para Thomaz Bastos, quando houver um olhar histórico dos períodos FHC e Lula, o tucano será visto como alguém que "teve papel importante, mas o Lula terá tido um papel mais importante, até pelo lado simbólico, carismático, a comunicação popular".

Os detalhes das conversas secretas deverão demorar a ser conhecidos. Thomaz Bastos escreveu um diário no ministério. "Fui apenas colocando os fatos tal como acho que os via, equilibrando objetividade e subjetividade." Doará os 17 cadernos ao Arquivo Nacional. Com embargo de 50 anos.

"Para usar
um anglicismo, não realizo
que vou morrer. Faço planos como
se não fosse"

"Minha reação foi de raiva
do câncer, produzido pelo cigarro. Fumei anos. Virei antitabagista convicto e militante"

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