São Paulo, domingo, 30 de Outubro de 2011

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CONTOS CARIOCAS

geografias

Na contracorrente da zona sul carioca, o horto festeja a diversidade com seus parques e tucanos

Aos olhos de uma carioca, o Baixo Augusta é uma alegria do subdesenvolvimento. Há mistura e absurdo. O único equivalente carioca é a Lapa, mas eu sempre preferi a elegância dos paulistas à sandália de dedo com saia floral das cariocas. Lá e cá, só existe pluralidade porque o preço dos imóveis não atingiu a estratosfera.

No Leblon, o metro quadrado custa, em média, R$ 20 mil reais, embora boa parte de seus prédios seja devassada, não haja vagas suficientes, a praia encontre-se sempre poluída.

O bairro oferece a maior e melhor concentração de serviços da cidade pelo preço de Paris sem Paris. A mistura possível nesse ambiente cinco estrelas é entre classe média alta e ricos. Nem sempre foi assim.

Até dez anos atrás, as ruas de paralelepípedo do Alto Leblon não tinham trânsito de manhã; o Celeiro, quilo mais caro do país, não vinha com paparazzi no cardápio; a badalada Dias Ferreira era a rua que o garçom atravessava trazendo chope, onde ficava o sebo Dantes e o Ateliê Culinário. O que os especuladores imobiliários ganharam em grana o bairro perdeu em charme.

Na contracorrente da onda elitista que vem engolindo a zona sul está o Horto. O bairro fica entre o Jardim Botânico e o parque da Tijuca. Não tem praia, mas tem tucano. É recolhido, mas fica a cinco minutos de bicicleta da Lagoa. Organiza-se de modo contrário ao do Rio de Janeiro: na parte alta, estão as mansões e, na área plana, casas dos trabalhadores.

O Horto hoje é assim: tem um velha maluca que passa tocando no parapeito das janelas e vive ao lado do ateliê da artista Beatriz Milhazes. Numa mesma casa geminada, está um cortiço de 20 pessoas e, do outro lado da parede, o ateliê da artista plástica Maria Klabin.

Em frente aos restaurantes bacanas, rola campeonato de dama. Senhoras gordas batem papo nas janelas de seus casarios. A vida passa de portas abertas. Ao final do dia, crianças brincam na rua usando corda, pedra, peão, bola, pau e flor.

Durante a semana, passa feirante e ferro-velho vendendo produtos no alto-falante. Nas noites de sexta, passa a bicicleta da padaria. No sábado, lava-se carro ao som de pagode. No domingo, tem jogo de bingo.

O que preservou esse suburbinho no coração da zona sul foi um impasse jurídico: a área é foreira, pertence à União, de modo que, por lei, não se aplica a usucapião pleiteada pelos trabalhadores que lá habitam há décadas.

Tenho fé que prevaleça o aspecto humano e que eles não sejam removidos, mantendo não apenas a memória de uma área histórica mas uma das maiores graças do Rio: a diversidade.


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