São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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FINA

Uma visita aos aposentos de Erika Stockholm, embaixatriz em Roma

por ELIANE TRINDADE, de Roma

ERA UMA VEZ

...Uma apresentadora peruana de TV que conheceu um diplomata brasileiro e se mudou para um palácio na Itália; serafina visitou os domínios da embaixatriz

Ela gosta de passear de pijama pelas galerias vazias da construção histórica do século 17, que lhe serve de residência há nove meses. Percorre, sem cerimônia, seus novos domínios em plena piazza Navona, uma das mais cinematográficas de Roma.
O endereço atual de Erika Stockholm, peruana naturalizada brasileira, é o palácio Doria Pamphili, sede da Embaixada do Brasil na Itália. No pátio interno de um dos postos mais cobiçados da diplomacia, ficam estacionados uma Vespa amarela e um Mini Cooper. Ao lado, o Mercedes-Benz oficial.
A bordo dos seus dois charmosos veículos, a embaixatriz de 41 anos desbrava as ruelas da capital italiana. Às vezes, leva na garupa da lambreta o marido, o embaixador José Viegas, 67. "O homem acaba tendo a idade de sua mulher", diz ela, para espanar os 26 anos de diferença entre eles.
O romance começou graças a um erro, lembra, sentada em um café numa ruazinha nos fundos da embaixada. Longe da algazarra dos turistas que fazem fotos nas fontes que se descortinam da sua janela, Erika resume como se tornou a senhora Viegas.
Há dez anos, recém-divorciada, resolveu ligar para combinar de sair com uma amiga. Discou o número errado, telefonando para outra com o mesmo nome. Riram do engano, mas ela pegou carona no programa que a colega do outro lado da linha havia agendado para aquela noite: um jantar do corpo diplomático em Lima, onde Erika morava e apresentava "Mucho Gusto", um popular programa de TV, no estilo Ana Maria Braga.
Encontrou conhecidos que brincavam com a nova "single". "Aqui não tem nenhum solteiro para te apresentar", diziam. Alguém se lembrou de um viúvo: o embaixador brasileiro em Lima. "É muito velho pra você", outro aparteou.
A filha de dez anos dos anfitriões fez as vezes de cupido e apresentou a convidada ao embaixador. Sentaram-se lado a lado e saíram juntos do local. "Ou caso ou a minha reputação se foi", pensou Erika. Não perdeu a chance de conhecer melhor o homem com quem se casaria seis meses depois, em dezembro de 2000.
Desde então, o casal morou em Lima, Moscou, Brasília e Madri. Em Roma, a embaixatriz parece à vontade no ambiente restaurado sob os cuidados de Lúcia Flecha de Lima (leia mais na pág. ao lado), uma de suas antecessoras.
"Todo mundo morre de inveja quando digo que moro aqui", ri a anfitriã, entre goles de café servido pelo mordomo carioca Márcio, na sala de história romana. Ao fundo, está a tela "Martírio de São Sebastião", da escola de Caravaggio, datada de 1653.
Os desafios da função não parecem assustar a embaixatriz. "Ela soube se transformar e diversificar a sua experiência", diz o marido.
Em Brasília, por exemplo, precisou vestir um figurino mais rígido como mulher do então ministro da Defesa no primeiro mandato do governo Lula.
Entre paradas militares e churrascos na Granja do Torto, ela diz sentir saudades dos mergulhos no nada límpido lago Paranoá, que circundava sua residência na Península dos Ministros. "Diziam que tinha jacaré, mas eu não ligava."
A embaixatriz não dá sinais de temer águas desconhecidas. Mergulha agora na nova profissão de designer. Lança, em maio, uma linha de móveis contemporâneos que leva o seu nome. "Tento fazer trabalhos 'portáteis', que eu possa desenvolver em qualquer lugar." Na Rússia, isolada pela língua e pelo clima, por exemplo, dedicou-se à escrita.

MULHER MÁ
Quando vivia no Peru, Erika era atriz. Fazia vilãs em novelas como "A Malvada Irene". Foi a bruxa na peça "Rapunzel", aos 27 anos, em um teatro em Lima. "As personagens más são as melhores." Teve de fugir dos papéis de mocinha por causa do ciúme do primeiro marido, um comerciante peruano com quem se casou aos 25 anos. "Não podia beijar o mocinho."
Dissuadiu a filha Ivana, 15, fruto daquela relação, da ideia de ser atriz. "É uma vida muito dura. Precisa se virar, fazer outras coisas para sobreviver." Erika, por exemplo, já se virou como aeromoça da American Airlines.
Sapatos e livros de arte são seus únicos pecados de consumo, garante. Ela adora modelos do tipo boneca, mas nunca se rendeu a um par de Manolo Blahnik ou Christian Louboutin. "Não ligo para marcas", responde, ao ser questionada sobre as grifes usadas nesta sessão de fotos. "São de estilistas desconhecidos. Não compro pela marca, mas se gosto."
É adepta de uma elegância sóbria. Nada de decotes ou saias curtas. Está satisfeita com o que vê no espelho: "Eu me acho bonita, gosto de mim, do todo". Pratica uma hora e meia de bikram ioga duas vezes por semana. Tranca-se em um quarto fechado, aquecido a 40º C. "É para suar até. Não tem nada de espiritual", avisa, sobre os 26 movimentos sempre iguais que trabalham a flexibilidade e desintoxicam o corpo magro –52 kg e 1,61 m de altura. Desintoxicação bem-vinda, já que a embaixatriz tragou o primeiro cigarro há um ano e não parou mais. "Foi só proibirem em todo o lugar que resolvi começar a fumar."

FALSA MORENA
Também na contracorrente, abdicou da condição de loura. Faz retoques mensais na raiz para manter os cabelos negros em um corte curto e moderno. Escureceu as madeixas quando deixou a TV. Diz ter se livrado do carma de "loura burra". "O trato é mais amável com as morenas", acredita. "Mas não me olham tanto. Antes, chamava mais a atenção."
Quem a vê tão confiante diante das lentes do fotógrafo não imagina a insegurança que ela afirma a ter torturado durante boa parte da adolescência. "Eu me achava muito feia." Para convencê-la do contrário, a mãe, ex-modelo, levou-a para fazer um teste. Passou e em pouco tempo estrelava comerciais e uma novela juvenil.
O ambiente escolar era terreno fértil para as suas inseguranças. Famosa aos 16 anos, era impedida de sair para o recreio pela diretora do austero colégio inglês onde estudava em Lima. "A diretora chegou ao cúmulo de me forçar a escolher entre o trabalho e a escola." Escolheu os estudos e ia às gravações na surdina.
As lembranças dolorosas viraram inspiração para uma de suas peças. A cadeira Stockholm lembra os duros bancos escolares, mas ganhou leveza e conforto. "É uma maneira de ela se reconciliar com o seu passado de colegial", observa o irmão, Pier, 33, artista plástico que vive em Paris.
Já se vão décadas desde os anos contidos da adolescência. "Hoje sou uma boa companheira da menina que tenho dentro de mim", diz, em uma tarde ensolarada de inverno na cidade eterna, enquanto se esquiva das bolhas de sabão que um vendedor ambulante coloca em seu caminho.

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