São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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ÍCONE

Kate, a esfinge

por ALCINO LEITE NETO

Livro do ensaísta Christian Salmon, lançado há pouco na França, tenta decifrar o enigma da modelo mais influente das últimas décadas

Em 2006, o artista plástico britânico Marc Quinn fez uma estranha escultura da modelo Kate Moss, em pose de contorcionista, que ele chamou de "Esfinge".
Na mitologia grega, a esfinge era um monstro com cabeça de mulher, corpo de leão e asas de águia, sempre a propor enigmas aos viajantes, que, não conseguindo decifrá-los, eram devorados.
Qual é o enigma de Kate Moss? Por que ela se tornou a top mais influente das últimas décadas? Tentar decifrar esse enigma é o objetivo do livro "Kate Moss Machine", de Christian Salmon, recém-lançado na França (Editions La Découverte, 154 págs., € 11).
O autor traça uma "arqueologia" completa da construção do mito. Moss surge num momento de crise de credibilidade da moda –então, cada vez mais elitista– e de eclosão de uma nova ordem mundial. A "revolução" representada por sua imagem explode nos anos 1990, a partir da famosa foto de Corinne Day para a "The Face" (que ilustra esta página), mostrando uma garota de aspecto comum, mas encantador, recém-saída da adolescência, de uma naturalidade quase selvagem, muito distante do glamour "artificial" então difundido.
A partir daí, Moss será o emblema por excelência do novo "look democrático" e das mudanças que se processarão na própria moda, que deixa de ser concebida como uma simples coleção de signos e estilos e passa a ser tratada como um "laboratório social", abarcando um campo mais vasto que as roupas caras: a própria vida.
"Não é a moda que se converte ao realismo no começo dos anos 1990. É a realidade social inteira que se torna objeto de moda. A vida deixa de parecer simplesmente como aquilo que deve ser vivido para se tornar o espaço de uma experimentação e de um uso estratégico de si mesmo, cada indivíduo se tornando um objeto a ser estilizado", escreve Salmon.
De garota banal a novo símbolo de beleza, de moça estigmatizada pelo corpo "anoréxico" à ícone da "cool Britania" de Tony Blair, de protagonista do estilo "heroin chic" à mulher "imaterial" do desfile de 2007 de Alexander McQueen, quando apareceu na passarela em imagem holográfica, Kate Moss será o protótipo do sujeito que se quer construir na era neoliberal. Ou seja, um indivíduo voltado à experimentação de si mesmo, capaz de se reinventar sem parar, "numa redistribuição de signos de identidades híbridas, um balé atordoante de formas de vida e de 'habitus'".
Apesar de conter simplificações, "Kate Moss Machine" é importante para os que desejam refletir sobre a moda. Ele não apenas ajuda a decifrar o enigma Kate Moss, mas também um dos segredos mais bem guardados da moda: sua atuação central na trama de narrações e poderes dedicada a formatar o sujeito contemporâneo.

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